Verônica Sabino faz lançamento duplo

17 fevereiro 2009 |


Verônica Sabino
CD e DVD "Que nega é essa"

A nega é essa

Ela não é dada a cronogramas, nem se liga em cronologias, mas logo no primeiro disco solo, Verônica Sabino já carimbava sua profissão de fé no título - “Metamorfose”. Lançado em 1985, ele atestava, a partir da célebre composição de Raul Seixas, que a nova cantora preferia trafegar na contramão estética, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. E é esse trajeto de aprendizados e descobertas, onde ela sempre se deixou levar pela intuição, que é revisitado no CD/DVD “Que nega é essa”, com direito a inéditas. Um timaço instrumental formado por Sérgio Chiavazzoli (produção e violões), Marcos Suzano (ritmo), Pedro Braga (violões) e Marcelo Caldi (piano e acordeom) alicerça o trabalho. E como se trata de Verônica, o retrovisor também aponta para frente, com inéditas e músicas alheias que ela nunca tinha gravado antes.

Tudo começou quando a estudante de música da Pró-Arte percebeu que o coral informal dos colegas era mais atraente que as aulas eruditas. E tomou o atalho. Em pouco tempo o coral recebeu a alcunha de Desbundeto e profissionalizou-se como Céu da Boca. “Foi uma vida longa e intensa. Descobri o palco e a troca musical”, lembrou na entrevista que acompanha o DVD. Além de uma carreira própria com discos gravados em seu nome, o grupo fazia participações nos discos de outros artistas como Nara Leão, Olívia Hime, Kleiton & Kledir. Só que o motorzinho da metamorfose já estava ligado. E ela começou a examinar as canções sob um ponto de vista individual: “Como eu cantaria essa música?”, perguntava-se. Levou as questões ao diretor artístico da gravadora do grupo na época, o compositor Roberto Menescal. Ele a encaminhou ao estúdio, para fazer uma demo. “Vamos ver agora se você sabe cantar ou não”, decidiu ele. E a filha do pianista cujo sonho era ser baterista de jazz, mas ficou consagrado como o grande escritor Fernando Sabino, sabia. E não parou mais.

Trafegou da MPB clássica ao pop/rock mais deslavado, mas sem nunca derrapar no banal. Se admite alguma imaturidade no início, é verdade que esses rascunhos afiaram seu gume estético. Como em “Vênus” (1995) quando ela se questionava sobre os signos feminino e masculino, e resolveu gravar um repertório assinado apenas por mulheres. Dele, Verônica repesca a Adriana Calcanhotto de “Tardes” (“é quase inédita, não foi trabalhada”), a pioneira Chiquinha Gonzaga de “Lua branca”, acoplada à rara -- e atualíssima -- Maysa, de “Rindo de mim”. Verônica teve sua fase de estourar música na novela, como ocorreu com “Todo Sentimento” (Cristóvão Bastos/Chico Buarque), que “Vale tudo”, da TV Globo, se encarregou de propagar aos quatro ventos. A canção está de volta ao tempo da delicadeza que pede a letra no novo CD/DVD. “Peito vazio” (Cartola/Elton Medeiros), outro cristal fino, saiu de “Verônica” (anterior a “Vênus”), disco afirmativo que gravou, encerrada a fase feérica das novelas.

Do vanguardista e audacioso “Novo sentido” (1997) são o tenso “O beijo salvador” (Herbert Vianna), “Não se afasta de mim” (Celso Fonseca), em tratamento mais suingado e o baião incandescente “Rosa que me encanta”, permeado por bottleneck, com a participação de um dos autores, Rodrigo Maranhão. Mesmo uma coletânea como “Passado a limpo” (1999), trazia inéditas. Como “Lágrimas e chuva” (Leoni/George Israel/Bruno Fortunato), que Verônica tira do clima “rock de bermudas” (nada contra), do Kid Abelha inicial, para um aprofundamento da letra, típica de canção desesperada, como a clássica “Saia do caminho” (Custódio Mesquita/Ewaldo Ruy). O disco “Agora” (2002), além do título afirmativo inaugurava a assinatura autoral de Verônica, a partir da faixa principal, que volta em releitura no CD/DVD. Ela rebobina seu início como compositora:

“Comecei a estudar violão e também piano, com o Antonio Adolfo. Papai dizia que uma pessoa que canta deve saber algum instrumento. Estava harmonizando uma melodia no violão e fiquei na dúvida. Será que eu fiz uma música?”. Nascia “Agora”, que seria sucedida por outras como “Túnel do tempo” e “Rewind”, entre as incluídas no projeto. Vale observar que além de boa artesã melódica, VS domina o texto fluente e necessariamente sedutor do pop. Algo que só parece fácil para quem não sabe.

Para aventurar-se nas parcerias (“fazia tudo sozinha”), Verônica teve que exercitar-se nas artes do desapego. Ofereceu o tema musical de “Blues em braile” para Zeca Baleiro (“ele gosta de blues”) e a parceria saiu na medida. Nas latitudes da seleção, há ainda do samba maduro ao gaúcho Vitor Ramil. Dele, gravou “Invento” e “Longe de você”. “Eu o considero um dos grandes compositores da nossa música”, elogia. “Escolhi duas músicas dele que nunca havia cantado”. Temperado por novidades e revisitas, “Que nega é essa”, é um retrato de corpo de inteiro de uma artista completa. Como o título benjoriano, não semeia interrogações mas certezas. Chegou a hora de Verônica.

Tárik de Souza
Fevereiro/2009

Mais informações:
www.veronicasabino.com.br
www.myspace.com/veronicasabino

Foto: Monica Martins

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