CÁSSIA KISS NO TEATRO MUNICIPAL DE NITREÓI

03 abril 2009 |


Depois de sete anos longe dos palcos dedicando-se ao cinema e a televisão, Cássia Kiss está de volta com a nova montagem de O Zoológico de Vidro do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams. O espetáculo marca, também os 30 anos de carreira da atriz. Com direção de Ulysses Cruz e tradução de Marcos Daud, a peça é uma tragicomédia familiar. Kiko Mascarenhas, Karen Coelho e Erom Cordeiro completam o elenco.
Encenada pela primeira vez em Chicago em 1944, O Zoológico de Vidro foi um sucesso de crítica que possibilitou a Tennessee ganhar dois prêmios, mas a consagração só viria em 1947, com a peça Um Bonde Chamado Desejo com a qual ganhou o Prêmio Pulitzer.
A nova tradução de Marcos Daud privilegia o trabalho do ator e é focada nas relações familiares, sobretudo na esperança que as mães têm para o futuro de seus filhos, tudo revelado com muito humor e sarcasmo.
Amanda Wingfield (Cássia Kiss) é uma sulista de meia idade, bela e tagarela que manipula os filhos Tom (Kiko Mascarenhas) e Laura (Karen Coelho). Amanda critica a alienação de Tom, que se refugia em cinemas para escapar da realidade sufocante do seu ambiente familiar. Ela ordena que Tom a ajude na busca de um marido para Laura, cujo papel submisso e tímido no seio familiar pode ser interpretado como o reflexo das ilusões da mãe quanto ao casamento e à projeção na sociedade.


O ESPETÁCULO POR ULYSSES CRUZ

The glass menagerie é um clássico. Têm merecido, no mundo todo, novas montagens cercadas de grande interesse popular.
O público entende a tragicômica vida da família Wingfield em toda sua sofisticada complexidade, identificando-se naquilo que ela tem de mais cruel e poético, envolvendo-se na busca angustiada dos seus personagens.
Enquanto Tom Wingfield recorda fragmentos de sua vida em família vemos à nossa frente um grupo de pessoas destroçadas pela frustração, que não consegue entender o que se passa a sua volta, parecendo carregar sobre seus ombros toda solidão do mundo.
Esta montagem privilegiará, sobretudo, o trabalho dos atores, já que ela nasceu a partir da vontade de duas atrizes de dar vida a esse lindo texto: Cássia Kiss (Amanda Wingfield) e Karen Coelho (Laura Wingfeld).
O que a direção pretende em primeiro lugar é auxiliá-las a expressar o mundo subterrâneo que envolve as motivações destes personagens e num segundo momento comunicar toda esta riqueza para as platéias.
A par disso, esse será um trabalho que pretende uma visualidade renovada, incentivada no texto pelo autor já na sua origem. Para isso, convidamos um dos nossos maiores cenógrafos do teatro brasileiro, Hélio Eichbauer, além de Beth Filipecki e Reinaldo Machado, figurinistas de extensa experiência no teatro, cinema e TV.
The glass Menagerie, nesta versão de Marcos Daud irá falar, também, do impacto que a expectativa do sucesso a todo custo causa na frágil constituição humana e como o instinto de sobrevivência reage a ele.
Tennessee Williams foi um autor marcado pelo seu enorme interesse nas vicissitudes humanas, compaixão e convicções morais. Suas peças, todas elas, foram dedicadas a traduzir em prosa e poesia a infindável busca humana pela pureza de coração que, como ele mesmo diz, - “é o único sucesso que vale a pena termos.”

O AUTOR POR MARCOS DAUD

Quem nunca sentiu o peso de ter que satisfazer as expectativas dos pais na vida pessoal e profissional? A mãe que idealiza a melhor posição para seu talentoso filho em uma empresa de sucesso. E o melhor partido para sua adorada filha, o príncipe encantado que lhe trará segurança e felicidade.
Em O Zoológico de vidro, Tennessee Williams constrói uma das mais perfeitas sínteses do drama moderno, ao retratar os embates entre uma mãe, Amanda, e seus dois filhos, Tom e Laura, tendo, como pano de fundo, um país que começa a dar os primeiros sinais de recuperação econômica, enquanto que no resto do mundo, surgem sérias ameaças de revoluções e guerras.
Na peça de Williams, a mídia dominante é o cinema, que desperta e, ao mesmo tempo, escraviza a imaginação dos homens; que cria um espírito de dependência e fuga tão eficaz quanto à internet em nossos dias.
Nesse mundo regado a todo tipo de ilusão, Williams vai revelando, com pequenas doses de humor, os sonhos e aspirações de uma família igual a qualquer outra. A identificação com as situações vividas pelos personagens de O zoológico de vidro é imediata e faz com que a peça nos toque profundamente.
O que vai se descortinando diante de nossos olhos é a vida como ela é com todas as suas contradições e peculiaridades. E não paramos de nos surpreender com a nossa cegueira, com as nossas neuroses, com a nossa obsessão por alguma forma de reconhecimento e de sucesso.
Williams também mostra a expectativa que toma conta de nós na presença de alguém que amamos. O terror diante de uma possível rejeição; os esforços para parecermos aquilo que, afinal, não somos; a idealização do outro; a angústia quando ternura e paixão começam a se misturar dentro de nós.
Estes momentos são explorados até às últimas conseqüências pelo autor. Percebemos o quão vulneráveis podemos ser. Sentimo-nos nus, loucos por aprovação. Lançamos mão de todo o nosso repertório de emoções e frases de efeito, para impressionar a pessoa com quem queremos ficar.
Como um maestro, Williams rege as nossas emoções, nos cativa, nos hipnotiza, nos recorda o que somos e o que gostaríamos de ser. Choramos, rimos, prendemos a respiração, torcemos por um, sentimos pena do outro, nos desesperamos com o terceiro...
Quando pensamos no zoológico de vidro, naqueles pequenos animais que Laura cuida com tanto carinho, percebemos a nossa fragilidade, a nossa susceptibilidade, os nossos traumas e complexos, mas também o nosso otimismo, que sempre se renova.
Para além de tudo, Williams parece nos dizer que há uma linha muito tênue entre o sucesso e o fracasso, quase indistinta. Podemos ser empreendedores e vencer ou podemos deixar tudo passar. A escolha é, única e exclusivamente, de cada um de nós.
No final, Tennessee Williams nos brinda com o retrato de uma família que, a princípio, achávamos que era parecida com a família de nosso melhor amigo ou, talvez, de nosso vizinho. Mas sentimos um frio na barriga quando percebemos que Amanda, Laura, Tom e Jim, são membros de nossa própria família, que convivemos com eles todos os dias, que um deles pode ser um de nós. Ou melhor, que um deles é um de nós.
E aí entendemos a força de O Zoológico de Vidro. Entendemos porque ela é constantemente remontada em todo o mundo. Porque é analisada e discutida nas universidades. Porque é tão popular hoje quanto em 1944, quando estreou.
O Zoológico de Vidro é o grande drama humano do teatro moderno, talvez o maior. Em nenhum outro nos vemos com tanta nitidez. Com tanta riqueza. Um clássico que, a cada nova leitura, nos surpreende com seu frescor e com sua força.

Ficha Técnica
Autor: Tennessee Williams
Direção: Ulysses Cruz
Assistente de Direção: Fabiano Ryff
Tradução: Marcos Daud
Elenco: Cassia Kiss, Kiko Mascarenhas, Karen Coelho e Erom Cordeiro.
Cenografia: Hélio Eichbauer

Foto: Divulgação

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