22 outubro 2024

Luciano de Jesus e as novas perspectivas na vida ao perder a visão

 


E lá vem a vida com suas surpresas e, quando elas chegam, nos surpreende determinando novas rotas a seguir na vida, repleta de novas experiências e vivências talvez nunca imaginadas. Foi, mais ou menos assim que aconteceu com o Luciano de Jesus, 49 anos, morador de São João de Meriti, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Após perder a visão, depois de um longo período de depressão, novas perspectivas de vida surgiram e, hoje, o Assistente Social é alguém que, junto a outras pessoas com deficiências, luta pelos direitos que lhes assistem, principalmente o de ir e vir de onde quiserem ou precisarem.


Hoje, Luciano concedeu entrevista com o CULTURA VIVA e compartilhou um pouco da sua trajetória e conquistas. Que honra!


Acompanhe!

 

CULTURA VIVA: Há doze anos o senhor perdeu a visão? Qual foi o motivo?

LUCIANO DE JESUS: Na verdade, eu me tornei monocular após um atropelamento quando eu tinha 12 anos, perdendo a visão do olho direito. E me tornei um homem cego total quando, aos 39 anos, perdi a visão do olho esquerdo, após adquirir glaucoma fulminante.

 

C.V.: De início, como foi lidar com a deficiência visual?

L.J.: Nenhum ser humano está preparado para uma mudança tão radical na sua rotina. Perder a visão, para mim, naquele momento, foi o início do fim. Não aceitava o fato de não poder mais trabalhar, praticar esportes e vir os rostos das pessoas que mais amava. Meu filho, então, com 7 anos, e minha ex-esposa, sofriam comigo. Tudo se tornou mais difícil. Os amigos sumiram e minha família não sabia como lidar comigo. Adquiri depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Tinha medo até de sair para a rua. Foram quatro anos de muita dor.

 

C.V.: Chegou a se unir a outras pessoas com a mesma deficiência? Os relatos te motivaram?

L.J.: Sim. Porém, levou um certo tempo. A minha vida começou a mudar a partir do momento em que aceitei um convite para ingressar numa equipe de luta livre esportiva. O meu mestre Vitor, ninja, queria incluir todo tipo de pessoa na prática esportiva e, a partir daí, me desafiava o tempo todo. Migrei para o jiu-jitsu e, participando de competições nacionais e internacionais, conheci outros atletas com deficiências e, então, comecei a viver a realidade enfrentada por todas as pessoas com deficiências. Conheci pessoas com deficiência visual que eram professores, advogados e psicólogos que não permitiram que suas deficiências definissem quem eles eram. Essa convivência trouxe, para mim, novos desafios. Então, ingressei na universidade através da prova do Enem, usufruindo da nossa santa cota, e me formei no curso de Serviço Social no ano de 2023.

 

C.V.: Desde então, o senhor luta por resoluções que facilitem a vida e a locomoção de pessoas que tenham limitações. Foi um caminho natural que seguiu ou teve influências?

L.J.: Sempre fui um homem muito incomodado com a realidade social do nosso país e, quando me tornei um homem cego, comecei a viver os desafios da falta de acessibilidade e do preconceito da nossa sociedade diante daqueles que, por características, não se enquadram no perfil de perfeição. E incomodado com essa realidade, comecei a questionar os políticos da minha cidade, São João de Meriti, na Baixada fluminense do  Rio de Janeiro. Entrei para o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência  (CONDEF) e, lá, conheci a minha queridissima professora Aída Guerreiro (também deficiente visual) e meu querido amigo Jorge Garcia, que é deficiente físico, e meu querido amigo Cristiano Vasconcelos, outro deficiente físico. Juntos tentamos mudar um pouco a realidade dos PCDs de Meriti e, com essa luta local, passei a ser convidado a fazer palestras e participar de eventos em todo o estado do Rio de Janeiro participando, inclusive, da Conferência Nacional da Assistência Social, em Brasília, e, hoje, faço parte de um grupo maior de pessoas com deficiências que lutam de forma grandiosa juntos aos governos municipais e estaduais do Rio de Janeiro pelos direitos das pessoas com deficiências e doentes crônicos; grupo este chamado Movimento PCD+.

 

C.V.: E a Lei nº 8.022 de 2018 que facilitou a vida do deficiente que utiliza transporte público, de que trata especificamente?

L.J.: Quando o Vale Social foi criado não se fez uma regulamentação clara fazendo com que asconcessionária de transporte público intermunicipais criassem seus próprios cartões de gratuidade, o que trouxe dificuldade para nós PCD's, pois tínhamos que ter um total de quatro cartões para ingressar nos modais intermunicipais, o que, para especificamente os deficientes visuais, era inaceitável. Mediante nós termos que identificar os cartões corretos na hora do embarque sem levar em consideração que na lei que criou o Vale Social não existia essa previsão para cada concessionária criar o seu próprio cartão, então em 2018, a Alerj aprovou a Lei n° 8022 que unificou todos os cartões de gratuidade em um único cartão. O ex-governador Luiz Fernando Pezão, sem explicação clara, vetou a lei 8022 e, sobre muita pressão das pessoas com deficiências, a Alerj derrubou esse veto. Mas, essa lei ficou esquecida por seis anos até que um grupo de pessoas com deficiência se uniu e fez um protesto em audiência pública na Alerj. Procuramos a imprensa e conseguimos o apoio que precisávamos para, pelo menos, abrir as discussões pela regulamentação dessa lei. Contudo, a nossa vitória veio através da justiça: julgou procedente a ação movida pelo Ministério Público e pela a Associação de Defesa dos Deficientes Visuais do Estado do Rio de Janeiro (ADVERJ)  que, em segunda instância, deu fim aos cartões de gratuidade das concessionárias, obrigando o estado a operar apenas com o cartão do Vale Social.

 

C.V.: Quem ainda não goza dos benefícios desta Lei como deve proceder? 

L.J.: A unificação se iniciou no dia 01/10/2024 e se estenderá até o dia 20/12/2024. Logo, todas as pessoas que têm direito à gratuidade a transporte público intermunicipal, no estado do Rio de Janeiro, serão contempladas com essa unificação. Todos deverão seguir um cronograma observando o mês de nascimento com a data da unificação, que acontecerá a partir do momento em que se encostar o cartão do Vale Social no validador da RioCard. Mas, em alguns casos será necessário que o beneficiário vá até a loja do Vale Social, no subsolo da Central do Brasil.

 

C.V.: E quais são as novas conquistas pelas quais aguarda?

L.J.: Nós sempre estaremos lutando por algo, seja um direito nosso ou outros direitos de outros grupos. No momento, daremos início a um debate pela mudança da lei que criou as gratuidades. Queremos dar fim ao limite de 60 passagens, pois muitos de nós PCD's utilizam um número superior a essa quantidade, seja porque estudam ou sejam porque trabalham e, além disso, queremos derrubar a proibição de embarque nos ônibus interurbanos de uma porta. Mais à frente lutaremos pelo fim das fronteiras municipais no transporte público, criando a acessibilidade irrestrita no transporte público, seja municipal, seja estadual.

 

C.V.: Já passou algum constrangimento no transporte público por ser um deficiente visual?

L.J.: Inúmeros. O mais recente foi uma senhora que se incomodou pelo fato de eu ter embarcado no metrô me identificando como um homem cego. Cederam o lugar para que eu sentasse e ela percebeu que eu mexia no celular. Então, ela se dirigiu a mim de forma grosseira me acusando de fingir ser cego. Porém, calmamente desliguei meu fone de ouvido, e quando ela percebeu que o meu celular falava, me pediu desculpas e eu sorri, pois já estou acostumado, infelizmente, com essas atitudes.

 

C.V.: Em sua opinião, o que falta no Brasil para os deficientes terem uma convivência mais digna com os outros entes da sociedade?

L.J.: Falta muita coisa, mas a solução de todas essas coisas é através da educação. Quando a nossa sociedade compreender que a educação é o caminho para uma sociedade mais solidária, gentil, compreensiva, igualitária e livre de preconceitos, nós teremos um país melhor. Porém, nós, como PCD's precisamos compreender o nosso lugar nas eleições municipais de 2024. Nós elegemos um número insignificante de pessoas com deficiências lembrando que somos, segundo o IBGE, quase 19 milhões de PCD's no Brasil, isto é, representamos 8,7% da população. Mediante a essa estatística, se nós não acreditarmos em nós mesmos tudo fica mais difícil. Precisamos nos representar, sair da nossa zona de conforto e lutar pelos nossos direitos. Precisamos gritar, fazer barulho, debater e dialogar para que possamos ser ouvidos, pois até os direitos já conquistados estão sendo desrespeitados. Imagine conquistarmos novos direitos...

 

C.V.: Quais são as suas redes sociais?

L.J.: Instagram: @lucianodejesuspcd
Facebook: Luciano de Jesus
WhatsApp: (21) 98927-4803
email: lucianojjalves@gmail.com

 

Foto: Arquivo pessoal de Luciano de Jesus


3 comentários:

  1. Excelente reportagem!
    Luciano é um verdadeiro guerreiro da inclusão!
    Faz em São João de Meriti um trabalho que muitos políticos deveriam estar fazendo
    Ajuda qualquer um que o procura seja seja PCD ou não,
    Eu tenho uma honra chamá-lo amigo!

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  2. Me chamo Cristiano Vasconcelos cadeirante e falar do Luciano de jesus é falar um pouco da minha história afinal temos muito amigos em comum Jorge Garcia e Aida guerreiro são um deles temos também uma pessoa que é fundamental em nossa luta e foi uma das pessoas que mais contribuiu para que estas páginas da história de nossas vidas fossem escritas essa pessoa se chama gleibson Silva um cara muito do bem e tem muitas professora Márcia jovianovprofesora rosalice são pessoas que vi no olho a vontade de lutar mesmo a o nosso lado o gleibson Silva quantas vezes me falou assim a luta é nossa irmão

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  3. Parabéns pela reportagem, Luciano de Jesus é uma pessoa que luta muito pela causa dos PCD

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