Com direção de Ary Coslov, ‘Traição’ é a segunda produção do Solar
Prestes a comemorar dois anos de existência, o Centro Cultural Solar de Botafogo apresentou no dia 26 de setembro sua segunda produção teatral. Escrita por um dos mais reverenciados dramaturgos do século XX, o inglês Harold Pinter, a peça ‘Traição’ (‘Betrayal’) ganha o palco do Teatro Solar sob a direção de Ary Coslov, em produção conjunta do Solar de Botafogo e Arcos Produções Artísticas. Isabella Parkinson, Leonardo Franco e Isio Ghelman, que também assina a tradução do texto, dão vida ao trio de personagens da trama escrita em 1978 e considerada por muitos o melhor trabalho do autor britânico, Prêmio Nobel de Literatura de 2005.
Fã de longa data da obra de Pinter, Ary Coslov adquiriu os direitos de ‘Betrayal’ após assistir a montagem há três anos, em Londres. “Esta é a realização de um antigo sonho: dirigir uma peça de Pinter, e em especial esta, considerada uma de suas melhores, um de seus textos mais pessoais”, ressalta. Sócio do Solar de Botafogo ao lado da esposa, a atriz Claudia Lira, Leonardo Franco faz coro: “É muito importante o Solar receber este projeto como sua segunda produção teatral. Nossas escolhas sempre recaem sobre textos de qualidade”, destaca.
Para verter o texto para o português, Isio Ghelman estabeleceu como principal objetivo o cuidado em ser o mais fiel possível ao original: “Não se trata de uma adaptação, tento manter ao máximo na tradução o clima do que é dito em inglês. Acho importante para a atmosfera do espetáculo que ele seja ambientado na Inglaterra da década de 70, como no original”, explica. “Tive também o cuidado de não alterar algumas referências a locais geográficos, como nomes de rua, mas cortei outras muito específicas, como o nome de uma livraria, que não acrescentariam nada para o entendimento do público e ao mesmo tempo não comprometeriam as intenções do autor”, completa.
Conhecido pela concisão de seus diálogos e pelas pausas, tão significativas quanto as falas, Pinter não foge nesta peça ao estilo que consagrou seu trabalho. No entanto, trata-se, para muitos críticos, do texto com mais força de comunicação de sua obra, o que mais se aproxima do público; mais ainda por falar sobre um tema que, direta ou indiretamente, cria de imediato uma identificação com a platéia.
A PEÇA
Um triângulo amoroso formado por um homem, sua esposa e o amante desta é o ponto de partida para uma trama em que a traição mais óbvia e aparente é apenas uma das muitas que compõem o caleidoscópico relacionamento dos três personagens, em que cada movimento muda o papel de cada um. Robert (Leonardo Franco) e Emma (Isabella Thompson) são casados e Jerry (Isio Ghelman) é o melhor amigo de Robert, padrinho do casamento e também amante de Emma, em uma relação extra-conjugal que se estende por sete anos.
Contada de trás para frente, a história começa com o encontro dos ex-amantes dois anos depois do fim de seu relacionamento adúltero. “A inversão da ordem cronológica faz do público cúmplice da história ao revelar antecipadamente o desfecho e, com isso, desloca o foco do espectador do que acontece para como acontece. Ele passa a saber mais que o personagem”, explica o diretor. Ele vai mais longe ao afirmar que o artifício usado por Pinter é uma forma de provocar a participação da platéia: “Esta estrutura é fundamental dentro da peça. É como um jogo proposto ao público e que exige sua participação, como se desvendar o comportamento daquelas pessoas fizesse parte da dramaturgia. É um golpe de mestre”, entusiasma-se.
Ao longo das nove cenas em que o espetáculo é dividido, o espectador se depara com os outros lados do triângulo amoroso. De traidor, Jerry passa a ser o maior traído quando descobre que, em certa altura de sua relação com Emma, Robert fica a par do adultério pela própria esposa e os dois nada lhe falam a respeito. Jerry descobre ainda que Robert foi também infiel no casamento e, como seu melhor amigo, nunca lhe contou sobre suas aventuras amorosas.
Em um cenário despojado assinado pelo premiado cenógrafo Marcos Flaksman, diversos móveis empilhados no fundo da cena são dispostos no palco para recriar os ambientes onde a história se passa. Uma cama, mesas, cadeiras e poucos elementos cênicos transformam o espaço ora em uma biblioteca, ora na sala de estar do casal, ora no apartamento em que os amantes se encontram ou ainda no pub e no restaurante onde parte da ação acontece. O clima de cada cena é reforçado pela luz de Aurélio de Simoni, que dialoga ainda com a projeção de datas sobre o cenário e com o uso de neons, recursos cenográficos criados por Flaksman.
Cada mudança na inversão dos papéis é sutilmente sublinhada pelos figurinos naturalistas criados por Rô Nascimento, que se vale de um jogo cromático criado exatamente para acentuar o momento de cada um na trama: “Mantive um tom de sofisticação uniforme, pertinente ao nível sócio-cultural dos personagens, com ternos, coletes, pulôvers e cardigans, mas brinco com as cores, principalmente entre os dois homens. São pequenos detalhes que pontuam essas mudanças”, descreve. Vértice do triângulo amoroso, a mulher usa sempre vestidos, que compõem de forma equilibrada os tons ora clássico ora sedutor.
O AUTOR
Aos 78 anos, Harold Pinter é, sem exagero, o mais proeminente autor teatral da atualidade. Vencedor de importantes prêmios, em que se destaca o Nobel de Literatura recebido em 2005, o inglês é também ator, diretor e autor de roteiros para o cinema, dentre os quais ‘A mulher do tenente francês’, que recebeu uma indicação ao Oscar, assim como o próprio ‘Betrayal’, levado às telas por um elenco encabeçado por Jeremy Irons, Ben Kingsley e Patrícia Hodge. Entre suas 29 peças teatrais, as mais conhecidas são ‘A volta ao lar’, ‘Festa de aniversário’, ‘Traição’ e ‘O Zelador’. Separado de seus pais quando tinha apenas nove anos de idade, em plena eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, Pinter se tornou um ferrenho opositor à guerra e defensor dos direitos humanos, assumindo publicamente suas posições políticas. Apesar do fracasso inicial de sua peça de estréia - ‘A festa de aniversário’, em 1958 –, o autor estabeleceria já em sua segunda obra, ‘The Caretaker’, a base para a consagração de uma carreira pontuada pelo sucesso e reconhecimento da crítica especializada.
Prestes a comemorar dois anos de existência, o Centro Cultural Solar de Botafogo apresentou no dia 26 de setembro sua segunda produção teatral. Escrita por um dos mais reverenciados dramaturgos do século XX, o inglês Harold Pinter, a peça ‘Traição’ (‘Betrayal’) ganha o palco do Teatro Solar sob a direção de Ary Coslov, em produção conjunta do Solar de Botafogo e Arcos Produções Artísticas. Isabella Parkinson, Leonardo Franco e Isio Ghelman, que também assina a tradução do texto, dão vida ao trio de personagens da trama escrita em 1978 e considerada por muitos o melhor trabalho do autor britânico, Prêmio Nobel de Literatura de 2005.
Fã de longa data da obra de Pinter, Ary Coslov adquiriu os direitos de ‘Betrayal’ após assistir a montagem há três anos, em Londres. “Esta é a realização de um antigo sonho: dirigir uma peça de Pinter, e em especial esta, considerada uma de suas melhores, um de seus textos mais pessoais”, ressalta. Sócio do Solar de Botafogo ao lado da esposa, a atriz Claudia Lira, Leonardo Franco faz coro: “É muito importante o Solar receber este projeto como sua segunda produção teatral. Nossas escolhas sempre recaem sobre textos de qualidade”, destaca.
Para verter o texto para o português, Isio Ghelman estabeleceu como principal objetivo o cuidado em ser o mais fiel possível ao original: “Não se trata de uma adaptação, tento manter ao máximo na tradução o clima do que é dito em inglês. Acho importante para a atmosfera do espetáculo que ele seja ambientado na Inglaterra da década de 70, como no original”, explica. “Tive também o cuidado de não alterar algumas referências a locais geográficos, como nomes de rua, mas cortei outras muito específicas, como o nome de uma livraria, que não acrescentariam nada para o entendimento do público e ao mesmo tempo não comprometeriam as intenções do autor”, completa.
Conhecido pela concisão de seus diálogos e pelas pausas, tão significativas quanto as falas, Pinter não foge nesta peça ao estilo que consagrou seu trabalho. No entanto, trata-se, para muitos críticos, do texto com mais força de comunicação de sua obra, o que mais se aproxima do público; mais ainda por falar sobre um tema que, direta ou indiretamente, cria de imediato uma identificação com a platéia.
A PEÇA
Um triângulo amoroso formado por um homem, sua esposa e o amante desta é o ponto de partida para uma trama em que a traição mais óbvia e aparente é apenas uma das muitas que compõem o caleidoscópico relacionamento dos três personagens, em que cada movimento muda o papel de cada um. Robert (Leonardo Franco) e Emma (Isabella Thompson) são casados e Jerry (Isio Ghelman) é o melhor amigo de Robert, padrinho do casamento e também amante de Emma, em uma relação extra-conjugal que se estende por sete anos.
Contada de trás para frente, a história começa com o encontro dos ex-amantes dois anos depois do fim de seu relacionamento adúltero. “A inversão da ordem cronológica faz do público cúmplice da história ao revelar antecipadamente o desfecho e, com isso, desloca o foco do espectador do que acontece para como acontece. Ele passa a saber mais que o personagem”, explica o diretor. Ele vai mais longe ao afirmar que o artifício usado por Pinter é uma forma de provocar a participação da platéia: “Esta estrutura é fundamental dentro da peça. É como um jogo proposto ao público e que exige sua participação, como se desvendar o comportamento daquelas pessoas fizesse parte da dramaturgia. É um golpe de mestre”, entusiasma-se.
Ao longo das nove cenas em que o espetáculo é dividido, o espectador se depara com os outros lados do triângulo amoroso. De traidor, Jerry passa a ser o maior traído quando descobre que, em certa altura de sua relação com Emma, Robert fica a par do adultério pela própria esposa e os dois nada lhe falam a respeito. Jerry descobre ainda que Robert foi também infiel no casamento e, como seu melhor amigo, nunca lhe contou sobre suas aventuras amorosas.
Em um cenário despojado assinado pelo premiado cenógrafo Marcos Flaksman, diversos móveis empilhados no fundo da cena são dispostos no palco para recriar os ambientes onde a história se passa. Uma cama, mesas, cadeiras e poucos elementos cênicos transformam o espaço ora em uma biblioteca, ora na sala de estar do casal, ora no apartamento em que os amantes se encontram ou ainda no pub e no restaurante onde parte da ação acontece. O clima de cada cena é reforçado pela luz de Aurélio de Simoni, que dialoga ainda com a projeção de datas sobre o cenário e com o uso de neons, recursos cenográficos criados por Flaksman.
Cada mudança na inversão dos papéis é sutilmente sublinhada pelos figurinos naturalistas criados por Rô Nascimento, que se vale de um jogo cromático criado exatamente para acentuar o momento de cada um na trama: “Mantive um tom de sofisticação uniforme, pertinente ao nível sócio-cultural dos personagens, com ternos, coletes, pulôvers e cardigans, mas brinco com as cores, principalmente entre os dois homens. São pequenos detalhes que pontuam essas mudanças”, descreve. Vértice do triângulo amoroso, a mulher usa sempre vestidos, que compõem de forma equilibrada os tons ora clássico ora sedutor.
O AUTOR
Aos 78 anos, Harold Pinter é, sem exagero, o mais proeminente autor teatral da atualidade. Vencedor de importantes prêmios, em que se destaca o Nobel de Literatura recebido em 2005, o inglês é também ator, diretor e autor de roteiros para o cinema, dentre os quais ‘A mulher do tenente francês’, que recebeu uma indicação ao Oscar, assim como o próprio ‘Betrayal’, levado às telas por um elenco encabeçado por Jeremy Irons, Ben Kingsley e Patrícia Hodge. Entre suas 29 peças teatrais, as mais conhecidas são ‘A volta ao lar’, ‘Festa de aniversário’, ‘Traição’ e ‘O Zelador’. Separado de seus pais quando tinha apenas nove anos de idade, em plena eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, Pinter se tornou um ferrenho opositor à guerra e defensor dos direitos humanos, assumindo publicamente suas posições políticas. Apesar do fracasso inicial de sua peça de estréia - ‘A festa de aniversário’, em 1958 –, o autor estabeleceria já em sua segunda obra, ‘The Caretaker’, a base para a consagração de uma carreira pontuada pelo sucesso e reconhecimento da crítica especializada.
"Traição" está em cartaz até o dia 7 de dezembro no Solar de Botafogo Centro Cultural, que fica na Rua General Polidoro, 180, Botafogo. E, em 2009, a temporada prossegue na casa.
Mais informações, acesse http://www.solardebotafogo.com.br/
Foto: Guga Melgar
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