Por Mario Gioia
A Galeria Virgilio inaugura no dia 14 de setembro, quarta-feira, a partir das 20h, a mostra Incompletudes, curadoria de Mario Gioia
"O objeto se apresenta, inicialmente, em uma busca do objeto perdido. O objeto é sempre o objeto redescoberto, o objeto tomado ele próprio numa busca, que se opõe da maneira mais categórica à noção do sujeito autônomo, onde desemboca a ideia do objeto acabado."
A frase de Jacques Lacan no capítulo As Três Formas da Falta de Objeto, no Livro 3 dos Seminários do nome-chave da psicanálise, traz uma inquieta identificação com muito do que é produzido na arte contemporânea. Um certo apagamento da identidade, uma busca por vezes utópica e que não se realiza, um viver junto que se inviabiliza, uma sociedade em rede que cada vez mais privilegia o isolamento.
A partir do convite feito a mim por Izabel Pinheiro, elegi alguns dos artistas da galeria Virgilio cuja trajetória estou mais próximo e que também possuem obras potentes. Pude convidar outros artistas _em sua maioria, jovens_ que poderiam dialogar com o staff da galeria e gerar diálogos fecundos.
Uma imagem-síntese de Beatriz Toledo, uma escada que parece flutuar numa paisagem nevada, diz muito sobre Incompletudes. A artista paulistana, em viagem à Finlândia, registrou cenas cuja estranheza se aproxima das captadas em sua cidade natal. O desgarramento do local onde se vive foi também fundamental para que Renata de Bonis constituísse a série Harvest Memories, na qual sua pintura parece embebida da aridez da paisagem na qual a artista esteve em residência, solitariamente, num deserto na Califórnia. Uma casa enterrada cria elos com o políptico fotográfico de Julia Kater, em que o embate entre natureza e artifício, intuitivo e racional, movimento e estagnação, fornece dados instigantes sobre o que seria apenas o registro de um momento de lazer. A paisagem urbana, em especial a de São Paulo, impedida, pouco horizontalizada, permeada por signos diversos, é combustível para a poética da obra gráfico-fotográfica de Fernando Vilela e a pictórica de Ana Sario e Mariana Serri. A paisagem que sai do enquadramento, talvez em busca de algo que não se consume, une Amalia Giacomini e Celina Yamauchi, assim como a gaúcha Marina Camargo cria uma cartografia própria, que questiona o que é representado.
Um tabuleiro de papel é criado por Edith Derdyk e, sutilmente, uma agulha com linha ressignifica todo o espaço expositivo, operação também empreendida por Ana Paula Oliveira, que desestrutura a, a priori, tão sólida arquitetura do locus da arte. As pequenas garrafas de Oferenda, de Sidney Philocreon, com mensagens não lidas, dispostas sobre um oceano imaginário e presas a um barco, procuram algo, e se agarram a uma das paredes na série Permeável, em uma busca incessante onde o básico é a viagem. Carla Chaim, tanto em vídeo como em suas pinturas com tinta e bolhas de sabão, mira em limites tênues, frágeis, em que o processo é essencial. Deborah Engel cria dentro da fotografia novas leituras e paisagens, como portais para o desconhecido.
Uma sala de dimensões mais reduzidas serve para o autorretrato, que pode vir em uma linguagem multimídia, como a proposta pelo coletivo Galeria Experiência. Ao borrar os cânones fotográficos, encontra eco nas imagens apropriadas de Sofia Borges, nas construídas de Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos e no enigmático registro de Fábio Okamoto. As experiências especulares de Hugo Houayek com o grafite e o papel especular podem traçar uma linha comum com a linguagem pessoal de Marcelo Solá, que não economiza riscos e cores em seus trabalhos. As utopias não realizadas da série de fotografias de Martinho Patrício têm sincronia com a fragilidade das formas presentes nas peças de Gabriela Mureb e com a tinta que escorre finitamente pela neve na série fotográfica de Maura Bresil. Também são delicados os objetos escultóricos de Thereza Salazar, que tratam, de certa forma, por meio da tridimensionalidade questões pertinentes à obra de Mônica Rubinho, exímia desenhista e que cria paisagens com sobreposições, não vistas na sua plenitude, que reclamam algo. O cuidadoso desenho de Thais Beltrame, em intervenção sobre a parede, também traz algo dessa impossibilidade. Renata Pedrosa cria obra específica para Incompletudes, em uma das fachadas externas da galeria, em consonância com a particular paisagem da cidade e de suas incongruências visuais. Flávio Cerqueira “despeja” sua inusual figura escultórica em banco de concreto do espaço. E outra das obras-chave da mostra se localiza no centro do espaço expositivo principal, no térreo. Um compact-disc com certa transparência toca um disco que armazena uma monocórdica composição, excerto de uma faca a ser amolada. Falta, de Thiago Honório, amplia seu restrito escopo onde é exposta e ganha o mundo, via ondas sonoras, mas com uma melodia falha, incômoda, não-plena.
Artistas
Amalia Giacomini , Ana Paula Oliveira , Ana Sario , Beatriz Toledo , Carla Chaim ,Celina Yamauchi , Deborah Engel , Edith Derdyk , Fábio Okamoto, Fernanda Figueiredo e Eduardo Mattos , Fernando Vilela , Flávio Cerqueira , Gabriela Mureb , Galeria Experiência, Hugo Houayek , Julia Kater , Marcelo Solá , Mariana Serri , Marina Camargo, Martinho Patrício, Maura Bresil , Monica Rubinho , Renata de Bonis , Renata Pedrosa , Sidney Philocreon , Sofia Borges, Thais Beltrame , Thereza Salazar , Thiago Honório.
Mario Gioia
Graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), foi o curador de Obra Menor (Ateliê 397) e Lugar Sim e Não (galeria Eduardo Fernandes), em 2009, de Mediações (galeria Motor), no ateliê de Shirley Paes Leme, em 2010, e fez acompanhamento crítico de Ateliê Fidalga no Paço das Artes, também neste ano. Foi repórter e redator de artes e arquitetura no caderno Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de 2005 a 2009, e atualmente colabora para diversos veículos, como as revistas Bravo e Trópico e o portal UOL. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora).
2 Aberturas, 14 de setembro `as 20 h e 19 de setembro das 12h `as 17h
Exposição de 15 de setembro a 8 de outubro de 2010
Local: Galeria Virgilio
Endereço: Rua Virgílio de Carvalho Pinto, 426
CEP 05415-020, Pinheiros, São Paulo - SP
Telefone: (55 11) 3061-2999 2372-2999
Visitação: segunda a sexta, das 10 às 19h , sábados, das 10 às 17h
Entrada franca
*Mario Gioia é curador da exposição
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