O primeiro
álbum da Marrom Music (sem
ser da intérprete maranhense) está chegando às lojas. Fruto de uma nova
parceria com a Biscoito Fino, o CD é o terceiro do cantor e compositor TÁRCIO,,
artista que vem arrancando aplausos de grandes nomes da música
brasileira e tem, em Ivan Lins, um dos seus principais
"padrinhos" . O álbum contém inéditas, clássicos da MPB e alguns
dos nossos principais instrumentistas e arranjadores.
"Escuta" já tem lançamento programado para o próximo mês de maio, no
Teatro Rival Petrobras, Rio de Janeiro. Abaixo, o release do álbum,
assinado pelo jornalista e crítico Leonardo Lichote, e um depoimento de
Roberto Menescal, com quem Tárcio trabalhou, durante um bom tempo, como
assistente de estúdio.
“Conheci Tárcio muito jovem, tentando entrar nessa “loucura” que é a vida
de artista, e acompanhei de perto, às vezes de dentro, suas primeiras
gravações, quando já mostrava que veio mesmo para ficar na música, em
definitivo”. Roberto Menescal
Tárcio "Escuta"
O telefone tocou.
Era Johnny
Alf.
Ele queria só dar parabéns, elogiar a gravação que ouvira de sua “Escuta”. Tárcio
Cardo desligou o telefone emocionado – a música havia sido gravada ao
vivo, num programa de rádio, e entrara na programação. Ali decidiu que seu
próximo disco – em 2003, ele lançou “Congraçamento”, que tinha participações de Caetano Veloso, Ivan
Lins e João Bosco – teria a canção e, mais do que
isso, seria batizado com seu nome. Mas “Escuta” (Marrom Music/ Biscoito Fino), que chega agora às lojas, carrega uma inspiração vinda de Alf que vai além dessa primeira conexão mais evidente. A abordagem
moderna e elegante sobre o samba, o olhar malicioso e mulato sobre o jazz – é
esse espírito, tributário ao pioneiro da bossa nova, que atravessa o álbum.
Mas não se trata de um disco de regravações de músicas daquele período. A aproximação que Tárcio faz desse universo é pela alma. Já na abertura, com “A rã” (Caetano Veloso/ João Donato) em suingue irresistível (arranjo que traz a assinatura, no sentido literal e no figurado, de Durval Ferreira), se percebe a ligação com a questão rítmica central que se desdobrou da bossa nova: os suingues do samba e do jazz se encontrando. O cantor já mostra ali sua técnica, na construção de divisões que bailam, sutil e alternadamente, com piano, sax e guitarra. De forma mais sutil, isso se mostra também em “Samba de verão” (Marcos Valle/ Paulo Sergio Valle).
Durval assina o arranjo de mais uma música do disco. Os outros são divididos entre Hélio Delmiro e Luiz Avellar. A presença de grandes nomes não se restringe aos arranjadores - que também atuam como músicos em “Escuta”. A ficha técnica escala instrumentistas como Jorge Helder, Jurim Moreira e Ricardo Silveira.
Espalhar as canções entre três
arranjadores foi uma ideia que nasceu já no início do projeto:
- Chamei os três
arranjadores que além de talentosos e geniais tinham e têm um estilo próprio de
escrever arranjos... Definitivamente, eu não queria que o trabalho soasse muito
coeso com relação aos arranjos - diz o cantor, que explica a distância de dez anos
entre "Congraçamento" e "Escuta". - Fui para Nova York em 2004 e
acabei ficando mais do que esperava, não pisei no Brasil por sete anos.
Experimentei os clubes de jazz de Manhattan até sentir saudades de Salvador.
Vindo na sequência do calor do baile de “A rã”, “Escuta”, a canção, instaura outro clima, mais cool e romântico, com arranjo de Delmiro. Um romantismo moderno e doce (Johnny Alf, em suma) que se projeta sobre todo o disco – em diferentes faces, ora mais clássico, ora mais contemporânea. “Dora”, de Dorival Caymmi (quem mais doce, quem mais moderno?), traz esse romantismo cool atravessado pela guitarra cool e etérea de Silveira. “Velho arvoredo”, de Delmiro com Paulo César Pinheiro, é nostálgica até a raiz, qualidade valorizada pelo violão de seu autor, único instrumento na faixa. No clássico “A noite do meu bem”, de Dolores Duran, o desejo pela “ternura de mãos se encontrando”é cantado sobre uma atmosfera Gotan Project. “Gatinha manhosa” - com interpretação tributária à leitura de Erasmo e harmonia joãogilbertiana repleta de dissonâncias - ganha elegância com o trompete de Paulinho Trompete. “Imagens”, de Tárcio e Tarci, como boa parte da safra própria do cantor (“Jolie”, que entra no disco também com versão remixada por Sacha Amback, e “Calendário”), é profundamente amorosa também.
A outra parceira de Tárcio que está no disco é “From Bahia”, que aponta para outro lado. Ela brinca com a linguagem da bossa nova, aplicando-a ao cenário de Salvador. A canção passeia pelo litoral de Salvador como se fosse Copacabana. Como se Os Cariocas fossem soteropolitanos.
Seja no tratamento que dá a Caymmi ou Donato, seja na produção própria,Tárcio não opõe o desejo do pop e a sofisticação de quem mira mais longe."Jolie", que combina o apelo imediato de balada soul de violinos sintetizados (e versos como "juntos no infinito azul") ao sax apuradíssimo do jazzman americano Ernie Watts, é exemplo bem acabado dessa vocação do artista.
“Escuta” é isso. Pede atenção no delicado imperativo do nome, que evoca a elegância de Alf. E ali, seja no ritmo de “A rã”, seja na segurança no trançado de graves e agudos da melodia de “Velho arvoredo”, fica evidente a distinção de Tárcio em seu ofício, o de cantor popular.
Leonardo Lichote
Foto: Dedé / Renato Lins (projeto gráfico)
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