Discutir a realidade
atual do Brasil de forma artística não é nada fácil. E ainda mais levar às
telas do cinema algo que faça o público refletir para possibilitar um futuro
melhor para a nação, afinal, apesar de todos os acontecimentos, a vida continua
e detemos, enquanto cidadãos, de armas próprias para darmos novos rumos ao
país. Assim, o diretor
do filme “Real - o plano por trás da
história”, Rodrigo Bittencourt, comanda uma das melhores produções, na
área, nos últimos anos. E esse bate papo artístico com o público, através da
trama, vai ter estreia, em todo o país, no dia 25 de maio. Com bom gosto para
seleção de repertórios, Rodrigo
também assina a trilha sonora do filme.
Acompanhe a entrevista que ele concedeu, com
exclusividade, ao CULTURA VIVA!
CULTURA
VIVA: Arte e política andam juntas ou é possível separá-las?
RODRIGO
BITTENCOURT:Totalmente
possível separar o joio do trigo. Eu separo Caetano Veloso e José Serra
tranquilamente, por exemplo (risos).
C.V.: Até que ponto seu filme “Real” é político?
R.B.: Até o ponto que
eu quis deixar ele ser. O que importa pra mim são grandes ideias. Sou um homem
de ideias e ideais. Quando Santos Dumont criou o avião ele não
sabia que iam pegar a ideia dele e fazer guerras com ela. Uma coisa é a ideia,
a outra é o que políticos fazem com ela depois. Geralmente eles estragam
as grandes ideias, mas por elas serem grandes, acabam extrapolando esses
vampiros e servindo também para boas causas. Assim foi com o real, que
extrapolou a tolice entre direita e esquerda e se tornou uma ideia que salvou o
país inteiro da hiperinflação.
C.V.: Você também tem uma carreira como
cantor/compositor, certo? Como administra suas inspirações, encaminhando
elas para o cinema, música, escrita...?
R.B.: Pra mim tudo é
escrever. Nasci escrevendo poemas e músicas e tudo pra mim é ritmo. Construo
cada cena pensando antes no ritmo delas. Traço um mapa para isso na minha
cabeça e assim crio um universo rítmico para todo o filme. 'Pensar é fazer
música"
C.V.: O Brasil, do jeito que está hoje em dia,
ainda causa boas inspirações?
R.B.: O Brasil sempre
me causa boas inspirações. Precisamos positivar, aprender isso com os Beatles,
eles fizeram isso o tempo inteiro... Eu sou um positivista e sou apaixonado
pelo meu país que quando deixa um pouco de ser dionisíaco para ser apolíneo,
quando conseguimos esse equilíbrio, tudo se resolve, sempre com grandes ideias
e grandes soluções! Ou é melhor falar de outras épocas?
C.V.: Lembra qual foi o primeiro filme que viu na
vida que te emocionou, a ponto de fazer seguir esta profissão?
R.B.: "Ladrões de
Bicicleta", do Vittorio de Sica.
C.V.: Você é um diretor que também faz músicas e
escreve, ou um compositor que também faz cinema?
R.B.: Eu não acredito
nessas divisões para os artistas e nem para a vida. Sartre dizia muito isso que
se você acredita que é alguma coisa, você se torna um escravo daquela crença e
não consegue se libertar dela, a ponto de simplesmente repetir a vida toda a
mesma personagem. Eu não sou assim. Eu não SOU, eu ESTOU.
Sou de estados. Posso ser hoje diretor e amanhã
acordar músico, ou roteirista, ou poeta, ou romancista... Ou um... ladrão de
Bicicleta... (risos).
C.V.: Falando em música, o que curte ouvir
(nacional e inter)?
R.B.: Eu vivo com
música quase todos os dias da vida. Adoro. Gosto de tudo... Meus preferidos? Beetowen, Bach, Mozart, Tchaikowisk, Hendrix, Jorge
Ben, Caetano, Tom Jobim, Nirvana, Lenon, Beatles, Tom zé... Fagner,
Fabio júnior... Metallica, Megadeth, Slayer... Nossa, tanta
gente... Mosca, Chico César, Lenine... Cazuza, Renato Russo,
os Titãs são gênios! Arnaldo Antunes sozinho também é!
C.V.: E o que não curte?
R.B.: Sandy, Mara
Maravilha, Angélica, Tiago Iork... Não gosto de nada muito empoladinho, gosto
de coisas reais, que tem sangue na veia...
C.V.: Você veio da zona oeste do Rio, Bangu.
Acredita que é um ponto fora da curva? Ou é possível que, cada vez mais, surjam
artistas de expressão nacional vindos de subúrbios e periferias do país?
R.B.: Acredito que eu
sou a curva (risos). Espero que sim! Nós trepamos melhor... (risos).
C.V.:
O que é preciso fazer para que a arte não seja apenas elitista?
R.B.: A arte não é
apenas elitista. Sou um exemplo vivo disso, Seu Jorge é outro e muita
gente pobre conseguiu arrebentar e fazer sucesso... Aliás, acredito que a
maioria veio dos subúrbios, falando dos músicos. Já o cinema, a maioria
dos diretores e diretoras são ricos... Ou possuem famílias com
grana. Pelo menos no eixo Rio e São Paulo. A música é bem mais democrática
que o cinema. Eu sou dos poucos diretores pobres que conseguiu realmente
fazer um filme assim, bem grande.
C.V.: Dizem que as pessoas não estão indo mais
tanto ao cinema, por causa das séries e TV por assinatura. Sente isso também?
R.B.: Nao sinto.
Tivemos mais de 13 milhões de bilhetes em Minha Mãe é Uma Peça 2. O cinema vem
crescendo a cada ano. O Brasil está em crise em quase todas as áreas e o
cinema só cresce. Ano passado crescemos mais e 15%!
C.V.: Como o cinema nacional pode resgatar seu
interesse com o público, como fez o argentino, por exemplo?
R.B.: Faltam mais salas
e falta menos patrulha política. O cinema não pode viver apenas de um lado
só, não somos manetas. Ou pelo menos não podemos ser se quisermos crescer de
verdade. Falta também o brasileiro parar de detestar seu próprio povo e
costumes. Os americanos venderam tudo em seu cinema pro mundo, franceses e
ingleses também. E ainda vendem, o cinema argentino começou a fazer isso, nós
ainda não. Precisamos de mais filmes internacionalmente conhecidos, precisamos
que as distribuidoras e produtores invistam nisso. Ou seja, quanto temos um
filme como o Real- o plano por trás da historia, temos aí a chance
real com um trabalho com muito esmero técnico de todas as equipes, de concorrer
de igual pra igual com qualquer cinema do mundo. É preciso investir em filmes
assim e colocá-los em todos os festivais possíveis.
Fotos: Divulgação
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