'Fogaréu' selecionado para a Mostra Panorama do Festival de Berlim

21 janeiro 2022 |

 

Na fronteira entre o real e o fantástico, entre o passado colonial e a modernidade avassaladora do agronegócio, a cidade de Goiás é palco do encontro entre a jovem Fernanda e suas secretas raízes. Ela volta para a casa de seu abastado tio, após a morte de sua mãe adotiva, a fim de implodir certezas e deixar surgir a dolorosa verdade sobre sua origem.

 

 

Sobre a diretora FLÁVIA NEVES

 

 

Flávia Neves estudou Cinema e Literatura na Universidade Federal Fluminense, e Roteiro e Técnica Meisner na EICTV -- Escuela Internacional de Cine e TV, em Cuba.

 

Aos 16 anos, dirigiu seu primeiro curta-metragem, Liberdade, exibido no FICA -- Festival Internacional de Cinema Ambiental. Atuou também como assistente de direção e produtora em curtas-metragens e documentários para cinema e TV, antes e durante o curso universitário. 

 

Em 2019, dirigiu e roteirizou a série Amanajé, o mensageiro do Futuro, exibida na TV CULTURA. Fogaréu é seu primeiro longa-metragem de ficção. Atualmente, Flávia desenvolve o seu segundo longa, Tempo do poder, com o apoio do Ibermedia. Com esse projeto, participou da residência na Cité Internacionale des Arts, em Paris, com bolsa concedida pelo Institut Français e pelo Projeto Paradiso.

 


FOGARÉU

Brasil, 2022, 100min, cor

 

Direção: Flávia Neves

Roteiro: Flávia Neves e Melanie Dimantas

 

Fotografia: Luciana Basseggio

Montagem: Will Domingos

 

Produção Executiva: Tarcila Jacob, Elaine Azevedo e Silva

Produção: Bananeira Filmes, Mymama, Blue Monday Produtions, Caliandra Filmes, Kam Filmes, Canal Brasil

 

Elenco: Bárbara Colen (Fernanda), Nena Inoue (Mocinha), Eucir de Souza (Antônio), Fernanda Vianna (Arlette), Vilminha Chaves (Joana), Kelly Crifer (Tereza), Timothy Wilson (Ezequiel), Fernanda Pimenta (Paula), Allan Jacinto Santana (Pedro), Typyire Ãwa (Cacique)

 

Distribuição Brasil: ArtHouse


 


 

:: ENTREVISTA com a diretora ::

 

Fogaréu é inspirado em uma história real ou é totalmente ficcional? Qual foi o ponto de partida para o roteiro do filme?

Sim, o filme é inspirado em uma história real. Mas mesmo tendo nascido e vivido em Goiânia, a atual capital do Estado de Goiás, eu não conhecia essa realidade. Foi quando cheguei na UFF, em Niterói, que um professor que havia morado em Goiânia, me questionou sobre isso. Daí pesquisei e descobri que durante 100 anos, se estabeleceu na histórica Cidade de Goiás, antiga capital do Estado, um tipo de relação social com pessoas neurodiversas denominadas de “bobas” que, embora em processo de desaparecimento, ainda moram na comunidade até hoje. Essas pessoas, oriundas de regiões vizinhas ou das próprias famílias do lugar, eram adotadas e criadas para prestar toda sorte de serviços domésticos. Hoje em dia encontramos ainda reminiscências desse passado. Essa história me perturbou durante anos até decidir fazer um filme sobre ela e filmar com essas pessoas sobreviventes, muitas delas centenárias.

 

Quando e como foi a decisão de contar a história de suas origens?

Foi quando eu fiz o treinamento da Técnica Meisner, na EICTV em Cuba, a partir do lugar do ator, que compreendi que necessitava buscar o que me era mais pessoal para contar essa história. Inicialmente, o roteiro não tinha esse caráter pessoal. Mas ao longo do processo de desenvolvimento, fui entendendo que minha perturbação tinha a ver com uma memória familiar recalcada. Pois, a questão da “adoção” de pessoas em condições de vulnerabilidade para submetê-las, é uma prática, infelizmente, comum no interior do Brasil até hoje. Minha mãe foi uma dessas pessoas “adotadas” para ser uma criada. Quando minha avó morreu de parto, minha mãe tinha uns nove anos, e meu avô deprimiu e não conseguiu criar os oito filhos, a maioria mulheres. Minha mãe ficou passando de casa em casa fazendo pequenos serviços domésticos, até chegar, com 12 anos, na casa da família do prefeito, que também é um latifundiário da região. Nessa casa, ela trabalhava pela comida e pelo teto e era chamada de filha e irmã. Cuidava ainda da criança mais nova da família, que hoje é meu padrinho. Levei um tempo para querer encarar o processo dolorido de deixar emergir toda essa dor e me colocar de maneira tão pessoal e vulnerável no filme. Mas entendi que fazer o filme só tinha sentido se fosse a partir dessa perspectiva.

 

De algum modo você se identifica com a protagonista do filme?

A trajetória da personagem é bastante parecida com a minha trajetória emocional durante o processo de desenvolvimento do filme. Fernanda está em busca de entender a sua verdadeira origem e identidade e o que descobre é bastante doloroso. Acreditou durante toda a vida que ocupava um lugar naquela família, quando na verdade ocupava outro. Isso ocorreu comigo também ao longo do processo.

 

Você realizou seu primeiro curta aos 16 anos. Como se deu sua aproximação com o cinema e quais foram/são suas influências?

Lembro de uma projeção em 16 mm de um desenho animado na escola onde eu estudava quando tinha 4 anos. Alí o fascínio pelo cinema foi despertado de forma determinante. Via escondido o festival do Charles Chaplin que passava na TV domingo de madrugada. A cinefilia começou na infância, mas foi na adolescência que se tornou mais sistemática. Os filmes eram meus únicos companheiros nessa fase, que foi bastante conturbada. Goiânia não oferecia muitas opções de lazer, mas tinha uma locadora de VHS com um acervo bem completo. Com 16 anos, eu já queria ser cineasta e quando uma professora de português pediu para fazer um trabalho em grupo, decidi fazer um filme com os meus amigos. Um deles trabalhava numa produtora de vídeos de casamento e o filme acabou sendo exibido em vários lugares e foi selecionado para a primeira edição do Festival Internacional de Cinema Ambiental, o FICA, que acontece na Cidade de Goiás, onde Fogaréu foi filmado. Em relação a Fogaréu, um filme que me impressionou bastante e que considero talvez a primeira influência, é Auch Zwerge haben klein angefangen (1970), do Werner Herzog. Houve ainda uma masterclass com esse diretor no Rio, em 2012, e lembro que foi muito importante para eu me reconectar com tudo aquilo que eu acreditava e queria fazer. Saí da masterclass decidida a largar tudo que estava fazendo para me aventurar no primeiro longa-metragem.

 

Fogaréu é um longa com equipe majoritariamente feminina -- direção, roteiro, produção, fotografia. Como você vê a participação das mulheres no cinema brasileiro?

O que vejo ocorrendo no Brasil e no mundo hoje é muito importante para criar concessões nessa indústria tão elitista e dominada pelos homens, como ocorre em qualquer lugar de poder e prestígio em uma sociedade criada para eles. Mas o que é mais importante ainda é que essa luta por equidade está resultando, embora que ainda timidamente, em reconhecimento aos filmes. Quando Fogaréu participou do Ventana Sur 2020, o mercado mais importante da América latina, junto com outros filmes dirigidos por uma nova geração de realizadoras brasileiras, a Variety escreveu um artigo sobre a surpreendente participação feminina do país em um momento tão difícil, o que a revista chamou de “nova onda do cinema feminino brasileiro”. O que me parece já uma resposta a um movimento de afirmação que vem ocorrendo nos últimos anos, mas mais do que isso, me arrisco a dizer que o cinema feito por mulheres pode ser sim o que o país tem de melhor para oferecer hoje. Nós mulheres, temos que nos preparar muito mais para disputar um lugar num mercado hostil, altamente complexo, que não foi pensado para nós. Temos que provar a todo instante nosso talento, temos que ter projetos melhores que a maioria, para se destacar. Não nos é permitido errar e nem fazer o esperado, temos que surpreender e superar as expectativas sempre. É muito mais desgastante e difícil? É. Como conseguimos fazer bons filmes remando contra a maré? Só tenho uma resposta: estamos melhor preparadas, pois historicamente tivemos que sorrir para um mundo que nos violenta, nos sobrecarrega e nos esgota e que nos delega apenas o papel de servir, procriar e criar condições para os homens brilharem. Se podemos criar as condições, também podemos brilhar.

 

 

Sobre a produtora BANANEIRA FILMES

 

 

Convidada em junho de 2018 para integrar a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles, Vania Catani fundou a BANANEIRA FILMES em 2000 e desde então se tornou uma das mais prestigiadas produtoras de cinema brasileiro. Suas produções já receberam mais de 250 prêmios e foram exibidas em mais de 500 festivais como Cannes, Veneza, Roterdã e mais outros 60 países.

 

Ao longo de 21 anos, a Bananeira produziu e coproduziu diversos curta-metragens e mais de 25 longas, entre os quais estão os premiados Narradores de Javé (2003), de Eliane Caffé; A Festa da Menina Morta (2008), a primeira direção de Matheus Nachtergaele com estreia em Cannes; Feliz Natal (2008), uma parceria de sucesso com o diretor Selton Mello, que se repetiu em O Palhaço (2011), visto por mais de 1,5 milhão de espectadores e indicado do Brasil para concorrer a uma vaga de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2012, e em 2017, com O Filme da Minha Vida.

 

Os filmes Mate-me Por Favor (2015) de Anita Rocha da Silveira e Zama (2017) da premiada dretora Lucrecia Martel estrearam no Festival de Veneza. Zama foi indicado ao Sur 2017, o prêmio mais importante do cinema argentino, em 11 categorias, incluindo melhor filme, melhor diretor, melhor ator e melhor direção de arte. O filme também ganhou o Critics’ Choice no Festival de Roterdã em 2018, foi indicado par Melhor Filme Ibero-Americano no Goya 2018 e escolhido para representar a Argentina na disputa por uma vaga na categoria de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2018. Em 2019 foi classificado como o 9º melhor filme do século pelo jornal britânico The Guardian e o melhor filme latino-americano da década pelo Remezcla.

 

Entre suas coproduções destacam-se La Playa (Colômbia), El Ardor (Argentina), e Jauja (Argentina), todos com estreia internacional em Cannes. Além da sua mais recente coprodução com o México, O Baile dos 41, que ainda será lançado no Brasil.

 

Em 2021 estreou mundialmente Medusa, sua segunda produção com a diretora Anita Rocha da Silveira, na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes. Também foi exibido no Festival de Toronto; Festival de Guadalajara onde recebeu o prêmio Maguey de melhor interpretação para Lara Tremouroux; Festival de Milano onde ganhou o prêmio do público; Festival de Catalunya onde ganhou o prêmio Queer Kong e Melhor Direção na competição “Novas Visões”; no Brasil estreou na Mostra Internacional de São Paulo e em seguida no Festival do Rio onde ganhou os prêmios de melhor atriz coadjuvante para Lara Tremouroux, Melhor Direção e o grande prêmio da noite Melhor Longa-Metragem Ficção. 

 

A Bananeira finaliza no momento O Filme do Tênis, documentário sobre o primeiro disco solo do cantor mineiro Lô Borges, dirigido por Rodrigo de Oliveira e Vânia Catani; Fogaréu, estreia da diretora Flávia Neves, em coprodução com a Blue Monday (França) e selecionado pela CNC; Serial Kelly, dirigido por René Guerra e protagonizado por Gaby Amarantos; e a série documental Adriano Imperador, original Paramount+, sobre o ícone da nação rubro-negra.

 

Além disso, desenvolve Incondicional -- O Mito da Maternidade, documentário da Patrícia Froes; Super Poderes, de Anne Pinheiro Guimarães, Musa, de Mônica Demes; e Casa Assassinada, de José Luiz Villamarim.

 

 

Sobre a produtora MYMENTERTAINMENT AMA

 

 

Duas vezes vencedora do EMMY INTERNACIONAL, a MYMAMA ENTERTAINMENT é uma produtora reconhecida nacional e internacionalmente, que mantém seu foco no desenvolvimento, gestão de talentos e ideia. A frente da produtora estão a sócias fundadoras Gabrielle Auad e a executiva Mayra Faour Auad, que atua no mercado internacional, como sócia da produtora Passage Pictures, sediada em Los Angeles.

 

Entre as suas últimas produções, a empresa produziu a longa metragem “Medusa”, segundo longa da cineasta Anita Rocha da Silveira, em coprodução com Vânia Catani, SELEÇÃO OFICIAL DA QUINZENA DOS REALIZADORES - CANNES 2021 e MELHOR FILME - FESTIVAL DO RIO 2021. A produtora também estreou em 2020, o longa-metragem “Tesla” em SUNDANCE, com Ethan Hawke no papel de Nikola Tesla. Em 2018 produziu em coprodução com a FOX, “Hack The City”, a série documental para NatGeo, vencedora do EMMY INTERNACIONAL AWARD 2019, e o longa documental “Nosso Sangue, Nosso Corpo” vencedor do INTERNACIONAL EMMY KIDS AWARD 2020. Em 2020, a produtora lançou o longa brasileiro “30 Anos Blues”, dos diretores Andradina Azevedo e Dida Andrade, ganhador do PRÊMIO DO JÚRI EM GRAMADO e seleção oficial da Mostra Novos Rumos do Festival do Rio 2019. Com a diretora e roteirista Carolina Markowicz, MyMama produziu três curtas-metragens que estrearam em Locarno, TIFF, SXSW (Prêmio do Júri), Queer Lisboa (Melhor Filme - Prémio do Júri Popular), Festival Internacional de Curtas de São Paulo (Prêmio Canal Brasil e Favoritos do Público), Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (Melhor Curta) e FESTIVAL DE CANNES onde receberam o Prêmio QUEER PALM 2018 com o filme “O Órfão”.

 

A produtora tem três projetos a serem lançados em 2022: O longa-metragem “Odilon, Réu de Si Mesmo”, em coprodução com HBO LATIN AMERICA, o longa “Los de Abajo” dirigido por Alejandro Quiroga, coprodução com a Bolívia, Argentina e Colômbia e selecionado para o Programa Ibermedia 2018, SANFIC Industria, Festival de Málaga 2021 e FAM 2021 e “Fogaréu”, da cineasta Flávia Neves, em coprodução com a produtora francesa Nathalie Mesure, e produção da brasileira Vânia Catani, selecionado para o FESTIVAL DE BERLIM 2022 na Mostra PANORAMA.

 

Atualmente a empresa está em produção da série “The Beat Diaspora” em coprodução com a Kondzilla para o YOUTUBE ORIGINALS e do documentário sobre a vida de “Adriano, Imperador”, produção Bananeira em parceria com VIACOMCBS. Em parceria com a A24 Films, Mayra Faour Auad é produtora executiva do próximo filme do aclamado diretor NOAH BAUMBACH ("Marriage Story" e "Frances Ha”), “White Noise”, para a NETFLIX.

 

Foto: Divulgação

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