Luiz Carlos Maciel & ‘O sol da Liberdade’

27 julho 2014 |


Por Patrícia Marcondes de Barros

Chego ao Rio de Janeiro, debaixo de um sol de “quase dezembro”, inspirador para interlocuções libertárias. Convido Luiz Carlos Maciel para um passeio na praia, cenário ideal de nossa conversa sobre seu livro, “O Sol da Liberdade”.

Maciel transita pela praia e assuntos, com a rapidez e a jovialidade que lhe são características. Foi chamado de “guru da contracultura brasileira” por ser o principal divulgador da “nova consciência em terras tropicais” através do seu trabalho ímpar na imprensa alternativa.

Jornalista, roteirista de cinema, teatro, televisão, filósofo, escritor, ator entre outras habilidades, trouxe grande contribuição ao cenário cultural brasileiro, principalmente por sua visão diversificada com influências advindas do pensamento contracultural. Em “O Sol da Liberdade” traz reflexões sobre temas atuais, ensaios, entrevistas e algumas experiências que vivenciou e marcaram sua visão de mundo.


Quando lhe perguntei sobre a inspiração do título, “O Sol da Liberdade”, falou sobre suas experiências na seita religiosa União do Vegetal e que, sob os efeitos alucinógenos de ayahuasca, a doutrina foi explicada: “O Sol é Deus” e então conclui: “a liberdade é um sol, o sol é a liberdade”. A liberdade é a essência de Deus.

A ontologia da liberdade realizada por Maciel nesta obra faz referências aos pensadores que trouxeram à tona a questão do ser, a liberdade, a despeito de todas as formas que a engrenagem se utiliza para aprisionar o indivíduo e distraí-lo de sua autonomia e capacidade de gerir seu próprio caminho.


O Sol da liberdade

Patrícia - O que o leitor pode esperar do Sol da Liberdade, o que você aborda nesta obra?
Maciel - Os meus livros são compostos por pequenos textos que vou escrevendo ao correr do tempo. Nunca consegui quando jovem concentrar minha atenção e energia para, por exemplo, elaborar um livro sobre um determinado tema, desenvolvê-lo analiticamente. Sempre escrevia coisas curtas e já desconfiava ter uma mente mais sintética do que analítica. Não sei fazer análise, só penso por sínteses e então os meus livros são cheios de sínteses. Interessam ao leitor na medida em que este goste de ler sobre determinado assunto e então apresento sua síntese.  Fiquei satisfeito quando uma vez, conversando com Jaime Martins (jornalista brasileiro que logo depois da revolução comunista de 1949 na China, foi para lá fazer um programa de rádio dirigido aos brasileiros) observou que a mente analítica não é muito dos chineses. Eles não pensam por análise, isto é uma característica do Ocidente. Os chineses pensam em camadas de sínteses, e é isso que de certa maneira faço. O que tem no meu livro O Sol da Liberdade são camadas de sínteses. Por exemplo, eu leio Jean Baudrillard e faço uma síntese do que eu acho interessante neste autor, que é exatamente a ideia da reversão da história, presente no livro. Ele começou a perceber que as coisas andavam para trás, que os projetos feitos no sentido libertário nos anos 60 ficaram no passado. Em 1968, tinha-se a promessa que tudo seria diferente no futuro e não foi. O futuro começou a ficar cada vez mais parecido com o passado do que com a vanguarda dos anos 60 e vem então este conceito de reversão da história.

Perversão da virtualidade

Patrícia - Baudrillard comenta a respeito da perversão da virtualidade quando a vida real é transposta para o virtual. O que pensa a respeito da virtualidade, do mundo das conexões, das redes sociais? 
Maciel - Como a vida já é pervertida, com a “perversão virtual”, fica duplamente pervertida. (risos) Essa é uma ideia que me ocorreu agora... A internet é uma maravilha e eu me sirvo utilmente. É um almanaque, que satisfaz a curiosidade e se pode pesquisar qualquer coisa, mas é também um repositório de perversões humanas que se caracteriza pela irresponsabilidade que a internet propicia, aliás, nós estamos vivendo um tempo de grande prestígio da irresponsabilidade. Como eu sou um sartreano de origem, enfatizo a liberdade e assim, a responsabilidade do indivíduo em tudo que se faz. O que percebo atualmente é um incentivo a irresponsabilidade. Então você pode entrar na internet, criar um “fake” e falar besteira, qualquer conversa perversa que se encontra na sua mente imunda. Quando eu falo em mente imunda, quero dizer que todas as mentes são imundas, isso os psicólogos já descobriram e é inútil você contestar e dizer que é um anjo. Daí você descobre qualquer imundície da sua mente e coloca na internet. A internet é um almanaque maravilhoso e um esgoto, fétido também. Então nisso ela também é parecida com a vida. E propicia acesso ao que é bom, a exemplo da informação; e ao que é horrível, como essa extroversão descarada. Não é só a internet que estimula a irresponsabilidade atualmente. Uma prática que é admitida pelas autoridades, que é a de você denunciar crimes sem se identificar, a denúncia anônima, é um estímulo à irresponsabilidade. Tivemos a morte sob tortura do Amarildo, na Rocinha, que foi resultado de uma denúncia anônima. Um inimigo do Amarildo, (provavelmente, o Amarildo se relacionava com muitos bandidos) queria se vingar dele por algum motivo, telefonou para a UPP falando que ele sabia onde estava o Paiol de armas e explosivos dos traficantes da rocinha. Então a PM fez o interrogatório e o Amarildo disse que não sabia e aí então resolveram utilizar suas técnicas mais avançadas de interrogatório que antigamente chamava-se de tortura e que agora são consideradas apenas de “técnicas de interrogatório”, inventadas pelos americanos. A tortura não teve efeito, Amarildo continuou negando que sabia de alguma coisa e os policiais então, o mataram. Por quê? Porque tem um irresponsável que fez a denúncia anônima e ninguém procura este cara. Ninguém quer saber quem foi este cara. Isso é uma coisa que não interessa nem às autoridades, nem a chamada justiça, a ninguém...o cara fez e tá bem bom... Alguém fez investigação sobre quem denunciou e que levou a tortura e morte do Amarildo? Não, eles acham isso normal, a irresponsabilidade passou a ser normal. Então o progresso nos conduziu a este estado de irresponsabilidade total. Nisto não se pode dizer que foi reversão da História, porque antigamente havia mais responsabilidade. Lembro-me do meu pai que era advogado e dizia que o Direito era o reino da responsabilidade e exigia que você fosse responsável por tudo, pelas palavras e atos. Hoje em dia não é assim, o Direito aceita passivamente a irresponsabilidade.

Juventude Facebook

Patrícia – Você foi um ícone da juventude brasileira nas décadas de 60 e 70, uma espécie de guru pelo montante de cartas que recebia no semanário O Pasquim, resultado de seus artigos que divulgaram as ideias contraculturais através da coluna que assinava intitulada Underground. Qual é a sua opinião sobre a juventude atual? Ao contrário da geração sessentista, grande parte da atual juventude está focada no binômio: dinheiro e poder. Observamos também jovens envoltos em movimentos políticos pela recriação de partidos conservadores como a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e a volta da União Democrática Nacional (UDN). É o que você chama de “retrovírus da História”?
Maciel - A UDN voltou piorada e mais reacionária do que a UDN histórica. Participei ultimamente de alguns debates com velhos e moços... Lembro-me de um debate, particularmente, que fui convidado junto ao Domingos Oliveira para debater com jovens atores a versão carioca da emblemática peça HAIR, que encarnava o espírito dos anos 60 e foi remontada por Charles Möeller e Claudio Botelho. Durante esse debate o Domingos expressou bastante à visão das pessoas da nossa idade, os septuagenários, sobre a nova geração, que não era muito positiva, porque julgada como “conformista, comodista, incapazes de qualquer ação”. Lembrava-se de detalhes como a de que essa nova geração fica mais tempo na casa dos pais (enquanto a nossa geração aos 20 anos de idade já queria sair, ir embora, correr mundo, correr perigo), resultando assim, numa geração “molenga e passiva”. Então na minha fala, defendi tal geração, em primeiro lugar, porque toda a plateia era composta de jovens. (risos) E fui aplaudidíssimo porque falei que não poderia julgar essa geração pelos padrões da nossa e que os jovens de hoje tinha razões que o nosso coração desconhecia, era preciso dar um voto de confiança para ver o que iam fazer da vida, afinal de contas, eram todos muito jovens e talvez demorassem um pouco... Eu tenho certeza que esse debate não se realizaria assim nesses termos depois dos blackblocs, que são muito mais violentos que qualquer jovem da nossa geração, mais ainda do que os guerrilheiros, aquela parte da geração brasileira que caiu na clandestinidade contra a ditadura. Eles eram dedicados a combater os soldados evidentemente, mas não tinham essa fúria que tem os blackblocs, de quebrar tudo que vê pela frente, então você vê... É essa geração a chamada de passiva e conformista... É preciso dar crédito. Acredito que cada geração tem as suas características, existe “a moça conservadora” da UDN, e nos anos 60, também existiram os jovens conservadores, fascistas, nazistas, tinha de tudo, só que o que ganhou visibilidade na época foi à atividade dos contestadores, dos rebeldes. A atual geração, em sua maioria, parece de conformistas comodistas, mas não é toda ela assim, então não se sabe qual será a evolução dos acontecimentos. Vale atentar o que li em George Bataille, na obra “O Erotismo”(1957) que dizia ser a velha geração por sua natureza, necrófila, porque está se aproximando da morte, e então vai paralisando tudo, não faz mais nada. Enquanto a nova geração é que injeta a vitalidade na sociedade e na cultura. Na nossa civilização é necessário que haja a ação juvenil para que a sociedade se revitalize, caso contrário, não acontece mais nada, todo mundo morre. É importante até para um julgamento mais lúcido sobre os blackblocs, que também trato no livro, no capítulo “Mistério dos Vândalos”. Como falo no livro, me diga se a pessoa critica muito ou se a pessoa critica pouco e aceita e então eu digo a idade dela. É a visão “velha” que acha que tem que colocar todo mundo na cadeia. O “vandalismo” dos blackblocs é o que renova a sociedade.


Novos projetos

Patrícia – Maciel, quais são seus novos projetos, o que você gostaria de falar para seus leitores?
Maciel – O que eu quero falar para meus leitores sobre os meus novos projetos é o seguinte: “Paz e amor”.


Editora: Vieira&Lent Casa Editorial
Ano: 2014
Autor: Luiz Carlos Maciel
Organização, apresentação e edição: Patrícia Marcondes de Barros
Prefácio: Jorge Mautner
Data do lançamento: 25 de julho de 2014
Local: Livraria da Travessa, Leblon
Horário: 19h

Estiveram presentes : O Programa Gente Carioca a grande atriz Maria Cláudia ( mulher do autor), o ator e Jornalista Lino Corrêa , Thiago Santiago, o ator  Oddone Monteiro, o cantor Ismael Costa, e outros.
Seguem fotos:

Na primeira foto, o autor  Luiz Carlos Maciel recebe o carinho da sua mulher e grande atriz Maria Cláudia.
Na segunda foto, o ator Lino Corrêa, a escritora Patrícia Marcondes de Barros e Luiz Carlos Maciel.

***Patrícia Marcondes de Barros é Doutora em História Cultural-UNESP


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