E
lá vem a vida com suas surpresas e, quando elas chegam, nos surpreende determinando
novas rotas a seguir na vida, repleta de novas experiências e vivências talvez
nunca imaginadas. Foi, mais ou menos assim que aconteceu com o Luciano de
Jesus, 49 anos, morador de São João de Meriti, na Baixada Fluminense do
Rio de Janeiro. Após perder a visão, depois de um longo período de
depressão, novas perspectivas de vida surgiram e, hoje, o Assistente Social é
alguém que, junto a outras pessoas com deficiências, luta pelos direitos que
lhes assistem, principalmente o de ir e vir de onde quiserem ou precisarem.
Hoje,
Luciano concedeu entrevista com o CULTURA VIVA e compartilhou um
pouco da sua trajetória e conquistas. Que honra!
Acompanhe!
CULTURA
VIVA: Há doze anos o senhor perdeu a visão? Qual foi o motivo?
LUCIANO
DE JESUS: Na verdade,
eu me tornei monocular após um atropelamento quando eu tinha 12 anos, perdendo
a visão do olho direito. E me tornei um homem cego total quando, aos 39 anos,
perdi a visão do olho esquerdo, após adquirir glaucoma fulminante.
C.V.: De início, como foi lidar com a
deficiência visual?
L.J.: Nenhum ser humano está preparado para
uma mudança tão radical na sua rotina. Perder a visão, para mim, naquele
momento, foi o início do fim. Não aceitava o fato de não poder mais trabalhar,
praticar esportes e vir os rostos das pessoas que mais amava. Meu filho, então,
com 7 anos, e minha ex-esposa, sofriam comigo. Tudo se tornou mais difícil. Os
amigos sumiram e minha família não sabia como lidar comigo. Adquiri depressão,
ansiedade e síndrome do pânico. Tinha medo até de sair para a rua. Foram quatro
anos de muita dor.
C.V.: Chegou a se unir a outras
pessoas com a mesma deficiência? Os relatos te motivaram?
L.J.: Sim. Porém, levou um certo tempo. A
minha vida começou a mudar a partir do momento em que aceitei um convite para
ingressar numa equipe de luta livre esportiva. O meu mestre Vitor, ninja,
queria incluir todo tipo de pessoa na prática esportiva e, a partir daí, me
desafiava o tempo todo. Migrei para o jiu-jitsu e, participando de competições
nacionais e internacionais, conheci outros atletas com deficiências e, então,
comecei a viver a realidade enfrentada por todas as pessoas com deficiências. Conheci
pessoas com deficiência visual que eram professores, advogados e psicólogos que
não permitiram que suas deficiências definissem quem eles eram. Essa
convivência trouxe, para mim, novos desafios. Então, ingressei na universidade
através da prova do Enem, usufruindo da nossa santa cota, e me formei no curso
de Serviço Social no ano de 2023.
C.V.: Desde então, o senhor luta por
resoluções que facilitem a vida e a locomoção de pessoas que tenham limitações.
Foi um caminho natural que seguiu ou teve influências?
L.J.: Sempre fui um homem muito incomodado
com a realidade social do nosso país e, quando me tornei um homem cego, comecei
a viver os desafios da falta de acessibilidade e do preconceito da nossa
sociedade diante daqueles que, por características, não se enquadram no perfil
de perfeição. E incomodado com essa realidade, comecei a questionar os
políticos da minha cidade, São João de Meriti, na Baixada fluminense do
Rio de Janeiro. Entrei para o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa
com Deficiência (CONDEF) e, lá, conheci
a minha queridissima professora Aída Guerreiro (também deficiente visual) e meu
querido amigo Jorge Garcia, que é deficiente físico, e meu querido amigo
Cristiano Vasconcelos, outro deficiente físico. Juntos tentamos mudar um pouco
a realidade dos PCDs de Meriti e, com essa luta local, passei a ser convidado a
fazer palestras e participar de eventos em todo o estado do Rio de Janeiro
participando, inclusive, da Conferência Nacional da Assistência Social, em
Brasília, e, hoje, faço parte de um grupo maior de pessoas com deficiências que
lutam de forma grandiosa juntos aos governos municipais e estaduais do Rio de
Janeiro pelos direitos das pessoas com deficiências e doentes crônicos; grupo
este chamado Movimento PCD+.
C.V.: E a Lei nº 8.022 de 2018 que
facilitou a vida do deficiente que utiliza transporte público, de que trata
especificamente?
L.J.: Quando o Vale Social foi criado não se
fez uma regulamentação clara fazendo com que asconcessionária de transporte
público intermunicipais criassem seus próprios cartões de gratuidade, o que
trouxe dificuldade para nós PCD's, pois tínhamos que ter um total de quatro
cartões para ingressar nos modais intermunicipais, o que, para especificamente os
deficientes visuais, era inaceitável. Mediante nós termos que identificar os
cartões corretos na hora do embarque sem levar em consideração que na lei que
criou o Vale Social não existia essa previsão para cada concessionária criar o
seu próprio cartão, então em 2018, a Alerj aprovou a Lei n° 8022 que unificou
todos os cartões de gratuidade em um único cartão. O ex-governador Luiz
Fernando Pezão, sem explicação clara, vetou a lei 8022 e, sobre muita pressão
das pessoas com deficiências, a Alerj derrubou esse veto. Mas, essa lei ficou
esquecida por seis anos até que um grupo de pessoas com deficiência se uniu e
fez um protesto em audiência pública na Alerj. Procuramos a imprensa e
conseguimos o apoio que precisávamos para, pelo menos, abrir as discussões pela
regulamentação dessa lei. Contudo, a nossa vitória veio através da justiça:
julgou procedente a ação movida pelo Ministério Público e pela a Associação de
Defesa dos Deficientes Visuais do Estado do Rio de Janeiro (ADVERJ) que, em segunda instância, deu fim aos cartões
de gratuidade das concessionárias, obrigando o estado a operar apenas com o
cartão do Vale Social.
C.V.: Quem ainda não goza dos
benefícios desta Lei como deve proceder?
L.J.: A unificação se iniciou no dia
01/10/2024 e se estenderá até o dia 20/12/2024. Logo, todas as pessoas que têm
direito à gratuidade a transporte público intermunicipal, no estado do Rio de
Janeiro, serão contempladas com essa unificação. Todos deverão seguir um
cronograma observando o mês de nascimento com a data da unificação, que
acontecerá a partir do momento em que se encostar o cartão do Vale Social no
validador da RioCard. Mas, em alguns casos será necessário que o beneficiário
vá até a loja do Vale Social, no subsolo da Central do Brasil.
C.V.: E quais são as novas conquistas
pelas quais aguarda?
L.J.: Nós sempre estaremos lutando por algo,
seja um direito nosso ou outros direitos de outros grupos. No momento, daremos
início a um debate pela mudança da lei que criou as gratuidades. Queremos dar
fim ao limite de 60 passagens, pois muitos de nós PCD's utilizam um número
superior a essa quantidade, seja porque estudam ou sejam porque trabalham e,
além disso, queremos derrubar a proibição de embarque nos ônibus interurbanos
de uma porta. Mais à frente lutaremos pelo fim das fronteiras municipais no
transporte público, criando a acessibilidade irrestrita no transporte
público, seja municipal, seja estadual.
C.V.: Já passou algum constrangimento
no transporte público por ser um deficiente visual?
L.J.: Inúmeros. O mais recente foi uma
senhora que se incomodou pelo fato de eu ter embarcado no metrô me
identificando como um homem cego. Cederam o lugar para que eu sentasse e ela
percebeu que eu mexia no celular. Então, ela se dirigiu a mim de forma
grosseira me acusando de fingir ser cego. Porém, calmamente desliguei meu fone
de ouvido, e quando ela percebeu que o meu celular falava, me pediu desculpas e
eu sorri, pois já estou acostumado, infelizmente, com essas atitudes.
C.V.: Em
sua opinião, o que falta no Brasil para os deficientes terem uma convivência
mais digna com os outros entes da sociedade?
L.J.: Falta muita coisa, mas a solução de
todas essas coisas é através da educação. Quando a nossa sociedade compreender
que a educação é o caminho para uma sociedade mais solidária, gentil,
compreensiva, igualitária e livre de preconceitos, nós teremos um país melhor. Porém,
nós, como PCD's precisamos compreender o nosso lugar nas eleições municipais de
2024. Nós elegemos um número insignificante de pessoas com deficiências
lembrando que somos, segundo o IBGE, quase 19 milhões de PCD's no Brasil, isto
é, representamos 8,7% da população. Mediante a essa estatística, se nós não
acreditarmos em nós mesmos tudo fica mais difícil. Precisamos nos representar, sair
da nossa zona de conforto e lutar pelos nossos direitos. Precisamos gritar,
fazer barulho, debater e dialogar para que possamos ser ouvidos, pois até
os direitos já conquistados estão sendo desrespeitados. Imagine conquistarmos
novos direitos...
C.V.: Quais são as suas redes
sociais?
L.J.: Instagram: @lucianodejesuspcd
Facebook: Luciano de Jesus
WhatsApp: (21) 98927-4803
email: lucianojjalves@gmail.com
Foto:
Arquivo pessoal de Luciano de Jesus