E o interesse pela música
virou profissão. Essa frase sintetiza a realidade do músico Rafael Saraiva, 38 anos. Ministro de Música da Primeira Igreja
Batista de Araruama (RJ), há 15
anos, o jovem tem escrito uma história que deixará como legado nos registros da
denominação. Seus primeiros passos na música foram dados ainda na infância. “Quando fazemos
parte de uma igreja, acabamos participando de algumas atividades voltadas para
a música e esse interesse começa, justamente, pelas próprias atividades da igreja,
como desde criança cantar num coral, por exemplo. No meu caso, aos onze anos
comecei a estudar piano, justamente, para usar o aprendizado na igreja, ou
seja, para tocar na igreja durante os cultos. Então, a minha formação vem da
própria igreja”, explicou com exclusividade ao CULTURA VIVA.
Acompanhe o bate papo!
CULTURA VIVA: Como é o seu relacionamento com o pastor Assis Xavier, responsável por
sua igreja?
RAFAEL SARAIVA: Como em qualquer instituição,
nós temos um líder, alguém que nos mostra a direção a seguir, o que ele espera
que a igreja alcance nos próximos anos, enfim, ele trabalha muito junto conosco,
dando total liberdade e autonomia para realizarmos os projetos, apoia, participa,
enfim, isso funciona muito mesmo com o pastor Assis. Ele dá liberdade não só
para a música como para os outros ministérios também.
C.V.: Isso dá mais segurança ao seu trabalho.
R.S.: Com certeza.
Quando você chega num lugar para fazer algo e já tem o aval do líder, fica mais
fácil para você realizar.
C.V.: Além do piano, você toca outros
instrumentos?
R.S.: Sou muito
resistente a dizer que toco outros instrumentos porque, ao meu ver, tocar
instrumento é algo que precisa ser bem feito. Então, não me arrisco a dizer que
toco outros instrumentos porque não toco. Agora, arranhar, sim: sento lá na
bateria e posso ajudar; posso pegar um contrabaixo e ajudar, mas me ousar a
dizer que toco outros instrumentos, não, eu prefiro dizer que toco piano.
(risos)
C.V.: A faculdade de te dá a base para outros
instrumentos ou você pode se especializar num instrumento específico?
R.S.: Na faculdade, por
exemplo, eu tive aulas de instrumentos complementares e lá eu tive aula de
bateria também. Inclusive, com um professor muito bom, o “Daniel Batera”. Foi
muito bom ter essa experiência e eu gosto demais da bateria. Talvez não seja
algo que combine muito com um pianista, mas, a princípio, eu amo a bateria.
Então, a faculdade nos dá alguma base e nos mostra um pouco de cada
instrumento, não necessariamente para você tocar, mas para você orientar outras
pessoas a respeito do que você quer, do que você espera. Por exemplo: mesmo que
eu não toque uma guitarra, mas enquanto estou numa banda ou na mesma equipe, eu
preciso dizer para o guitarrista o que eu quero. Para isso, eu preciso ter uma
noção da guitarra e, da mesma forma, com o contrabaixo e com a bateria.
C.V.: Na faculdade, além da pessoa aprender a
tocar instrumentos também desenvolve o canto?
R.S.: A instituição que
eu estudei, o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, hoje Faculdade Batista do Rio
de Janeiro, tinha, por objetivo, treinar aquela pessoa que vai retornar para a
igreja a fim de cuidar da música da igreja. Então lá, além da gente ter a
questão do piano, que é obrigatório, a gente também tinha aulas de Canto, de
regência e aulas de violino, flauta doce, que pode nos auxiliar na Musicalização
Infantil. Então, toda essa parte era estudada lá, no próprio Seminário para
voltarmos à igreja e termos uma bagagem maior para trabalharmos com crianças,
com adultos e com qualquer faixa etária.
C.V.: Você é um jovem que dedica
seu dom a serviço de Deus e de uma igreja evangélica. Como analisa essa questão
frente a um mercado ascendente, como a música?
R.S.: Infelizmente, não
temos ainda as portas abertas, dentro das igrejas, para desenvolvermos a música
como profissão. Muitas vezes, a música só entra como uma questão de
voluntariado e justifica-se isso apenas falando que a música é uma vocação.
Concordo, mas a gente precisa também ver o lado profissional; a gente precisa
do sustento e a minha função aqui na igreja é remunerada, mas os outros
instrumentistas, não. Aqui, na Primeira Igreja Batista de Araruama, nós temos a
Escola de Música, onde alguns desses músicos que escolheram a música como
profissão são aproveitados e, dali, conseguem tirar o seu sustento. Recebemos
cerimonialistas de casamentos que procuram músicos aqui para tocarem ou
abrilhantarem suas festas... Então, temos como atender, mas, ao meu ver, falta ainda,
na igreja, um cuidado porque, muitas vezes, um jovem escolhe um instrumento e
ele é cobrado a fazer bem feito isso, a estudar, a se dedicar e, quando ele
chega numa idade em que precisa cuidar também do seu sustento, a igreja não
absorve esse músico. Logo, ele precisa buscar lá fora as oportunidades, mas
dependendo da oportunidade que ele aproveite lá fora, ainda fica mal visto na
igreja.
C.V.: Então, a igreja deveria se
estruturar nesse sentido.
R.S.: Deveria buscar
estratégias para absorver os seus músicos e cuidar também do sustento deles.
C.V.: A música cristã evoluiu.
Mas, como se é trabalhado esse fato dentro da igreja? Há resistências?
R.S.: Vou falar algo
que o meu pastor fala: não existe problema na bateria, existe problema no
baterista; não existe problema no piano, existe problema no pianista. Logo, não
existe problema no ritmo. E outra coisa é que: a gente precisa fazer bem feito.
Se você tocar um samba bem tocado, você vai agradar; agora, como a gente,
muitas vezes, não sabe fazer samba, então, se eu tentar usar um samba, mesmo
que seja na igreja, não vai ficar bem feito e não vai agradar porque eu entendo
que a música passa por uma questão de gosto, de costumes, de tradição e, para
acrescentarmos alguma coisa, trazermos uma novidade, aquilo precisa ser bem
feito. Assim, eu tenho certeza de que as pessoas irão aceitar. Agora, tem
coisas que, realmente, não cabem, a gente deixa lá fora porque não entendo
muito bem que a gente precisa se parecer com o mundo. Por exemplo: lá a fora
tem o Sertanejo Universitário estourando já há alguns anos e, só porque tem lá
fora tem que ter também na igreja? Não vejo dessa forma.
C.V.: Por ser cristão, existe um
filtro e você conhece os limites.
R.S.: Sim, mas o meu
filtro, normalmente, é a mensagem e não o ritmo, não a música e sim, a sua
letra.
C.V.: Em se tratando da música
evangélica existe uma proposta maior além da técnica e da profissão até mesmo,
que á a evangelização.
R.S.: Eu nunca vou
escolher uma música por ser muito bonita ou porque o ritmo é contagiante: irei
escolher por causa da mensagem que está por trás dela. Se ela puder ser
contagiante e bonita, melhor ainda. Mas, o meu primeiro olhar para a música não
vai ser esse até porque costumamos seguir aqui, em nossa igreja, mensagens
temáticas. Então, se o pastor vai falar sobre “Jesus, o Salvador”, a minha
preferência será para este culto apenas músicas que falam sobre salvação.
C.V.: O seu trabalho é dedicado totalmente ao
departamento musical da Primeira Igreja Batista em Araruama. Qual a estratégia
que você usa para envolver a juventude mais e mais com a música?
R.S.: Na verdade, os
lugares em que a gente tem para envolver, seja qualquer faixa etária é a Escola
de Música porque nela a pessoa vem, aprende um instrumento, alguns fazem por
hobby, outros fazem porque querem ajudar nas programações e, automaticamente,
eles vão tendo as oportunidades dentro das próprias reuniões. Quase todos os
músicos que nós temos hoje tocando na igreja foram formados em nossa Escola de
Música. Começaram com dez, onze, doze anos e, hoje, estamos muito bem servidos
de músicos, graças a Deus! Nós temos cinco, seis, sete bateristas; três, quatro
guitarristas; tecladistas também temos cinco ou seis também. Então, inclusive,
a cada culto nós temos uma formação diferente tocando.
C.V.: E é mais fácil conduzir
jovens com música, não é?
R.S.: Sim. Em 2006,
quando eu assumi a música da Igreja, estávamos sem líder para os
adolescentes. Então, o pastor Assis me perguntou se eu poderia liderar os
adolescentes. Eu costumo dizer sim para qualquer desafio que me façam aqui na
igreja. Então, eu falei para ele: “pastor, eu só sei trabalhar com música. Vou
para lá trabalhar com música, tudo bem? Essa será uma estratégia para eu me
aproximar deles e a gente construir alguma coisa”. Ele respondeu: “sim, tudo
bem!”. Naquela época, de trinta adolescentes que a gente reunia, vinte faziam
aula de algum instrumento, e todos eles iniciantes. Hoje, em 2020, boa parte dos
músicos que temos vieram dessa geração. Não paramos porque, se pararmos, uma
geração vai passar sem músicos, sem líderes. Hoje continuamos fazendo esse
mesmo trabalho. Temos musicalização infantil, temos aulas aqui na Escola de
Música. Posso dizer que estamos garantidos para as próximas gerações com os
músicos que irão continuar trabalhando e servindo na igreja.
C.V.: Estamos em meio a uma
pandemia. Isso afetou o trabalho musical da igreja?
R.S.: Afetou no início.
Encerramos todas as aulas presenciais, mas ficamos com as aulas online. Em 1º
de agosto, a prefeitura da cidade publicou um decreto liberando que voltassem
as atividades. Então, nesse mesmo dia retornamos com as aulas presenciais. Só
não retornamos ainda com as aulas coletivas, mas as aulas individuais já
retornaram ao normal.
C.V.: E, durante essa pandemia, os
cultos não pararam e o Ministério de Louvor continuou participando dos cultos.
R.S.: Sim. A única ausência
foi a do auditório, mas as programações continuaram, normalmente.
C.V.: Mas, a ausência do auditório
foi devido à aglomeração.
R.S.: Sim. Todos os
cultos transmitidos de forma online e, agora, dia 20 de setembro, nós retornamos
com os cultos presenciais com a capacidade reduzida. Nosso auditório tem
capacidade para 850 lugares, mas, no momento, nós estamos com 200 lugares,
apenas.
C.V.: Quem se dedica à música tem
ocupação o suficiente e muitos jovens vivem da música no Brasil. Frente à
realidade da juventude que hoje está envolvida com o mundo das drogas, como a
música pode resgatar essas pessoas?
R.S.: Conheço alguns
projetos espalhados pelo Brasil afora e que tem feito uma diferença muito
grande na vida da população, principalmente da população carente porque nas
comunidades, nos lugares onde não se tem muita opção de que o que você vai ser
quando crescer, a música é uma grande opção e, sem falar que ela exige uma
disciplina muito grande. Então, o aluno não aprende apenas música, aprende a
ter disciplina, aprende a se dedicar a algo e também precisa aprender a estar
em grupo, em comunidade porque a música a gente não faz sozinho, a gente faz
sempre com outros. São lições muito importantes.na vida de um jovem. Logo, com
certeza, seria muito melhor na mão de cada jovem um instrumento à uma arma.
Destaco a Primeira Igreja Batista de Curitiba que tem um projeto com mais de
600 adolescentes e têm orquestras funcionando. Inclusive, estou para ir lá conhecer
esse projeto pessoalmente. No Rio de Janeiro também tem um projeto com as
escolas do município, onde também formam orquestras. No município de Barra Mansa
tem um projeto lindo também que, se eu não me engano, já estão com dez mil
alunos. Inclusive, tenho o privilégio de ter uma amiga na coordenação desse
projeto, que se formou comigo na Faculdade Batista e é um grande projeto.
C.V.: A Escola de Música daqui da
igreja é aberta ao público ou é restrita aos membros da igreja.
R.S.: Ela é aberta a
quem quiser estudar. Desde quando iniciamos o trabalho de aulas de música aqui
na igreja, uma questão que eu bati de frente foi que deveria atender quem desejasse
estudar, não somente para aos membros da igreja e, de lá para cá, já passou
muita gente aqui pela Escola de Música, inclusive, já passaram alunos que hoje
estão na Faculdade de Música estudando, ou seja, estamos no caminho certo.
C.V.: Qual o contato daqui da
igreja para quem deseja se informar melhor sobre a Escola de Música?
R.S.: Pode ligar para a
secretaria da igreja: (22) 2665-2397. Temos aulas de segunda a sexta-feira, em
horário comercial.
C.V.: Que recado você deixa para
quem deseja seguir carreira na área musical, mas teme não se familiarizar?
R.S.: É muito bom a
gente fazer aquilo que ama. Então, se você ama a música, tem paixão por algum
instrumento, por que não tratar isso também como uma profissão? Eu já antecipo
que você terá de ralar muito... (risos) ... Vai precisar se dedicar muito. Eu
recebo muita gente que deseja fazer aula e a pessoa pergunta: “qual é o
instrumento mais fácil?” ou “em quanto tempo eu vou estar tocando?”. São perguntas
que não tem resposta porque todos os instrumentos são difíceis. Se você quiser
fazer bem feito fique certo disso.
C.V.: Então, aprender música é um
desafio?
R.S.: Sem dúvidas.
Tanto é um desafio que a gente admira aqueles que fazem bem feito. Por que
será? Justamente porque não é um lugar aonde muitas pessoas conseguem chegar.
Então, aqueles que conseguem chegar lá, em seu instrumento, seja qual for, nós temos
uma admiração. A verdade é que: para esses músicos chegarem lá, tiveram que
ralar muito e, normalmente, começam cedo, quando criança ainda. Aliás, se puder
começar enquanto criança, melhor ainda: tem a cabeça fresquinha e a criança
aprende muito mais rápido do que um adulto já cheio dos seus problemas e complicações
do dia a dia. Eu sou prova de que vale a pena investir na música.
Foto: Edson Soares