Ele teve uma infância em que
conviveu com realidades bem cruéis. Viu muita coisa e não podia relatar nada.
Presenciou cenas que, quando muitas crianças viajavam e desfrutavam da fortuna
de seus pais, ele foi obrigado, por circunstâncias da vida, a aprender lidar
com a luta, a dor e o sofrimento do outro. Durante sua vida numa comunidade, em
São Gonçalo (RJ), conheceu muita
gente guerreira que lutou e sobreviveu as intempéries.
Quando a vida virou para ele
e o desafiou com a imperatividade... “Agora chegou a sua vez!”... Então, decidiu
reunir todo aquele contexto para mudar o seu futuro e vislumbrar a sua fé. Foi
para a faculdade e, hoje, é um advogado especialista em Direito Imobiliário.
E não para por aí. A arte o
pegou de jeito e, a partir da afeição com músicas gospel no estilo Rap, encontrou
seu próprio gênero. A vida o inseriu em bandas musicais, o preparou e, hoje,
apresenta ao público um dos melhores Rappers do estado do Rio de Janeiro... Negueto Rapper – um orgulho em ser
humano que exala a melodia que promove modificações para muita gente!
Hoje, o artista conversou
com o CULTURA VIVA e relatou um
pouco de sua jornada até aqui. Que honra!
Acompanhe!
CULTURA VIVA: Em sucintas palavras, como o Rap chegou em
sua vida? Qual a sua relação com esse estilo?
NEGUETO
RAPPER: Primeiramente, Deus me escolheu para ser porta-voz de
verdades. Tive toda minha raiz fincada no Evangelho, em cultos semanais, em
congregações evangélicas. O Rap encantou os meus ouvidos com o sucesso "Cachimbo
da paz", do Rapper Gabriel o Pensador, em 1997, sendo um estouro nas rádios
cariocas e uma das primeiras críticas sociais delatoras. O sistema que
denunciava o falso moralismo das autoridades e que, de certa forma, sublimava,
conseguiu espaço. No mesmo ano já ouvia a rádio Gospel FM, da Igreja Renascer em
Cristo, liderada pelo Apóstolo Estevam Hernandes e a Bispa Sonia Hernandes,
onde tocavam rappers, como Pregador Luo,
da banda Apocalipse 16, ao qual
possuo uma tatuagem no braço esquerdo de grupos, como RDJ, por exemplo, e,
outra vez fora do contexto religioso, o grupo Racionais Mcs, com a música Negro
Drama. Em 2013, me mudei para São Paulo com o intuito de atuar como baterista,
mas fui parar no salão 100”, onde conheci, pessoalmente, algumas celebridades e
fui convidado a integrar, como Back Vocal, o grupo de rap “X da questão”, em
Sorocaba, que abria 30% dos shows dos racionais Mcs e o grupo Gangsta Realidade Cruel, com público equivalente a 14 mil pessoas. Ao terminar a
temporada de shows, escrevi minha primeira letra, chamada Alívio, aprovada pelo
grupo, com participação da cantora
Deborah Pinheiro, lançada no meu álbum Acredita,
lançado no ano de 2015. A minha relação com o rap é que sempre ouvi de tudo, mas
não tinha esclarecimento acerca de política, geografia, diversidade cultural,
poesia e militância, temas que só fui aprender ouvindo rap, e descobri que
poderia me expressar verdadeiramente com a arte e colocar para fora tudo o que
eu via e ouvia, como indivíduo de maneira expressiva e realista, sem mimimi.
C.V.: A música, em si, sempre te motivou? Dedicar seu tempo a ela reflete algo
de especial para você?
N.R.: Sempre
ouvi música: Michael Jackson e suas batidas, as bases pesadas, a
soul music, os sucessos lançados pela gravadora
Motown. Eu queria entender como tudo aquilo era possível. Ouvia Fat Family
e compus a minha primeira canção, aos 13 anos, inspirado pelo Fat Family, com a música Eu não vou não. Dedicar o meu tempo me resignifica, pois me sinto inserido, útil
e consagro a minha representatividade na forma de ser. Nós, negros, sempre
fomos pioneiros em tudo, principalmente relacionado ao tipo de arte e à
criatividade no meio social. Porém, pouco reconhecidos. Por causa disso é que
os nossos ancestrais trouxeram para o mundo tudo quanto é tipo de som, arte e
estilo que influenciaram várias nações e artistas, até os dias de hoje.
C.V.: Suas letras retratam a realidade social de muitos jovens que vivem em
comunidade. Isso seria uma forma de dar voz a eles?
N.R.: Eu me preocupo
muito com o que escrevo e canto, pois trago uma bagagem pesada de um passado, de
um povo sofrido, lá do Morro do Feijão, comunidade que nasci, em São Gonçalo, e,
simplesmente, relato o que vi, li, ouvi e vivi naquela quebrada. Não tinha como
cantar outra coisa, pois nosso povo sempre cantou o que viveu. É lamentável
hoje os MCs que só pregam ostentação, carros luxuosos, bebidas e cigarros na
mão, imitando os americanos que, na verdade, vivem em um outro contexto social,
bem diferente do nosso, aqui no Brasil, e sem falar nas muitas letras gringas
que, apesar da batida pesada, só falam merda.
C.V.: Em sua opinião, como os governantes e grandes empresários podem
colaborar para uma vida mais digna para estes jovens e adolescentes, com uma
educação de qualidade e plano de carreira profissional?
N.R.: Acredito
que a manutenção e a ampliação dos programas de fomento e incentivo à
equiparação nos mecanismos que visem afastar a desigualdade social, já na fase
inicial dos bebês de comunidades pobres, eliminando a fome por completo,
trazendo mais saúde e educação, livros, mais inteligência emocional, menos
inteligência artificial para que mentes não se tornem vazias e, não só o filho
dos grandes magnatas tenham ensino de qualidade, pois enquanto seus filhos vão
para Disney, crianças pobres com os pés descalços vagam pelas vielas e becos das favelas apreciando o porte de
armas e a devastação que a droga já causa no período gravídico de uma mãe.
C.V.: Por que decidiu estudar Direito, um dia? Qual a sua especialidade?
N.R.: Quis a
virada de chave como diferencial dos meus demais colegas, amigos e parentes de
comunidade, e almejei ser perseguido pelos sonhos e não mais por viaturas; não
ser mais um daqueles meninos a sentar no banco dos réus e estar do lado de lá
do sistema, não por me achar melhor, mas capaz. Todos os meus interesses na
faculdade de Direito foram meramente premeditadas e intencionais nas matérias
que dizem respeito a questões sociais, como
o direito à vida, à saúde, à
dignidade da pessoa humana inseridas em três dos ramos que mais me
chamam atenção, como o Direito Imobiliário, que possui relação direta com a
moradia dentro do escopo constitucional no Brasil, com milhões de sem teto;
Direito Criminal e Criminologia, que pode ser prolatada, combatendo as violências
, os abusos e as violações cometidos
pelo poder público contra negros e
pobres que, estando longe dos grandes holofotes,
são exterminados por um grupo genocida em um pais que mais mata negro no mundo, pois favela é o lugar onde o couro come todo
dia e ninguém nunca sabe nada, e nada
vê.
C.V.: O Direito te ajuda a entender melhor estas questões sociais que
transmite em suas letras?
N.R.: A
Universidade de Direito e o seu instituto, dentre suas teorias hermenêuticas e
históricas, não só me ensinaram o motivo do mundo ter vivenciado e praticado o
holocausto, por exemplo, na Alemanha, e o racismo em todo mundo, como me
esclareceu o que é viver em uma sociedade que não tem direitos. As constituições
outorgadas e promulgadas, em vários países, denotam a grande falácia que os
poderosos se apropriam para, de forma muito inteligível, neutralizar a eficácia
do meio. O Direito não só me ensinou os mecanismos de defesa, mas quem são os
dedos que movimentam as marionetes. Eu ainda não deixei de ser marionete, pois
dentro de uma filosofia, quase todos nós somos controlados. Mas, hoje, sou a
marionete que observa os dedos de quem movimenta nos bonecos, e luto para me
desprender destas cordas de forma mais inteligível e ainda, nos tempos de hoje,
sou obrigado a ser um jurista que não só fala de Direito, mas lardeia a
ausência dele na nossa sociedade.
C.V.: Para 2024 prepara algo de novo para seu público?
N.R.: Como
ainda não sou totalmente livre, estou trabalhando em uma das duas músicas bem
comerciais, de acordo com o cenário atual do TRAP (subgênero do rap). N[ão era o tipo de letra que eu
gostaria de cantar, mas é a única forma de ser visto e abrir portas porque o
meu estilo predileto é marreta. Mas, estou tendo a honra de lançar músicas com versos
de poetas do município de São Goncalo, como Décio Machado, J C Gomes e outros
que estão surgindo nesse EP chamado ‘Prosas In Rap”, com selo de Tudo pela Arte
e apoio da Atriz , cantora e escritora Ligia Carvalho, e Dom Sarau.
C.V.: Quais são as suas redes sociais?
N.R.: Minhas redes
sociais são:
https://www.tiktok.com/@negueto_?_t=8hX4RD0O5ll&_r=1
https://instagram.com/negueto_rapper?igshid=M2RkZGJiMzhjOQ==
https://youtube.com/@neguetoRapperRap?si=SNtkJADJ9tZrYfst
Fotos: Divulgação