Três semanas após o início da Copa do Mundo, o clima de desconfiança em relação ao evento parece ter sido substituído no país por uma grande festa popular. Antes, dizia-se que nem ia haver Copa. Agora, já há quem brinque pedindo “Copa Permanente” ou “Copa todo ano no Brasil”. No entanto, a realização do evento de grande porte, mais do que animar a população, serve como pontapé inicial para outras realizações que o país precisa empreender. O professor de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Sávio Teixeira analisa que o principal efeito do mundial, até agora, foi mostrar que o país é capaz. Usar bem toda essa capacidade passa pela vontade política. O site Gazeta do Povo conversou com Teixeira sobre o assunto. Confira a entrevista.
Passados cerca de duas semanas do inicio da Copa do Mundo no
Brasil, qual a sua avaliação deste evento na sociedade?
O aspecto mais importante até agora é
a comprovação de que o país é capaz. Tudo em termos de organização está
ocorrendo dentro da normalidade, contrariando muitos críticos que não
acreditavam na capacidade brasileira de realizar de maneira satisfatória a copa.
Na verdade, há dois tipos de críticas que foram feitas durante o período de
preparação para o evento. De um lado, há os que não gostam do Brasil, a maioria
da elite e da classe média, e que avaliam os limites e as possibilidades do
país de maneira preconceituosa. Para estes o fato de as coisas estarem
funcionando é uma surpresa desagradável. De outro lado, há os que analisaram de
maneira objetiva as dificuldades estruturais da sociedade e do Estado
Brasileiro. O Brasil é uma sociedade que combina de forma explosiva enorme
desigualdade social com grande vitalidade econômica e cultural. Nós somos uma
das sociedades mais irresponsáveis do Ocidente, deixando à margem da vida
social minimamente digna cerca de 1/3 da população. Por outro lado, somos uma
das economias periféricas mais dinâmicas do mundo, sendo ainda a mais
industrializada do hemisfério Sul, muito embora os principais tipos de
empreendedores e trabalhadores que integram os setores que se tornaram suporte
das transformações do capitalismo brasileiro nas últimas décadas vivam sem
acesso às políticas públicas do Estado Brasileiro. Eles não têm acesso a
crédito, à tecnologia nem a conhecimentos. Na sua maioria, operam na
informalidade, sem direito e sem representação política. A instrumentalização desse
universo pelo Estado representaria uma grande transformação social e
institucional no país. Esse é o maior “gargalo” de nossa política.
A copa pode trazer algum
resultado/mudança para instituições públicas?
Na verdade o
único discurso da política brasileira contemporânea é a combinação da agenda de
redistributivismo marginal - que apesar de necessária como mostra o programa
Bolsa Família é insuficiente para enfrentar os desafios do país -, com a agenda
do controle exercida por órgãos do governo como as controladorias, que parte de
um pressuposto equivocado de que o maior problema do Brasil é a corrupção. Esta
agenda “policial” além de travar o desenvolvimento, desvia perigosamente a
atenção do país de seus reais problemas. Não estou dizendo que não deva existir
controles. Mas que o nosso direito administrativo deva ser reformado para
melhorar a gestão do Estado e ser meio para acelerar o desenvolvimento e inibir
de fato os desmandos com os recursos públicos – o que não acontece hoje. Muitos
dos problemas que tivemos com as obras para a copa é o resultado combinado de
nossa ineficiência com essa estrutura formada por órgãos de controle que torna
qualquer iniciativa do Estado um verdadeiro inferno.
O que a realização deste torneio aqui
pode trazer de consequências a curto, médio e longo prazo?
Em primeiro lugar, já trouxe a
modernização dos estádios de futebol no país. Isso é muito importante, pois os
brasileiros amam o futebol. Em segundo lugar, apesar de atrasadas muitas obras
de infra-estrutura serão entregues. Mas o mais importante seria um debate sério
e profundo sobre o tipo de reforma que precisamos para termos o tal “padrão
Fifa” nas políticas públicas. Que tipo de Estado é capaz de ofertar educação e
saúde de qualidade para a classe média? Pois sabemos pelas experiências mais
exitosas no mundo acerca de políticas públicas que políticas públicas só para
pobres não funcionam nem para pobres. Se a classe média não se interessar pelas
políticas de educação e saúde elas serão como são hoje no Brasil: Péssimas.
Portanto, essa é a questão fundamental que nenhum partido político brasileiro
debate. Essa é maior corrupção brasileira. Se a copa nos ajudar a enxergar isso
será o seu maior legado.
Como podemos avaliar as manifestações
que estão sendo vistas nas várias cidades-sede e também fora do país?
A minha avaliação sobre o aumento da
temperatura da política no Brasil como ocorreu com as manifestações é
favorável. É melhor as pessoas irem para as ruas reivindicar questões que
tenham algum apelo coletivo do que ficarem acomodadas em seus interesses
privados. Mas o que sempre pondero sobre a questão é o seu aproveitamento para
fecundar mudanças efetivas. Acho que a população das manifestações do ano passado
era composta por três grupos: os manipulados pela mídia conservadora com a
questão da corrupção, os que pegaram carona na onda para tentar dar sentido
atual a abstrações ideológicas do século XIX e uma minoria interessada de fato
em lutar por reorientação das principais políticas do Estado. Se esta última
motivação conseguir sobressair sobre as outras teremos uma vitória, pois os
poderes e recursos de nosso Estado seriam mobilizados para capacitar e
instrumentalizar os interesses da maioria dos brasileiros, gerando uma profunda
reconfiguração da luta por recursos escassos em nossa ordem social. Além de
causar um necessário arejamento em nossos hábitos mentais, como a substituição
da tese do patrimonialismo e da ideologia “do protesto e da denúncia contra tudo
o que está aí” por uma discussão séria sobre alternativas institucionais na
organização da economia e da política.
*Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1&id=1481691&tit=Copa-mostra-que-pais-%93e-capaz%94,-diz-cientista-politico
*Foto: Divulgação
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