Músico Rafael Saraiva e o cotidiano da profissão

28 setembro 2020 |

 


E o interesse pela música virou profissão. Essa frase sintetiza a realidade do músico Rafael Saraiva, 38 anos. Ministro de Música da Primeira Igreja Batista de Araruama (RJ), há 15 anos, o jovem tem escrito uma história que deixará como legado nos registros da denominação. Seus primeiros passos na música foram dados ainda na infância. “Quando fazemos parte de uma igreja, acabamos participando de algumas atividades voltadas para a música e esse interesse começa, justamente, pelas próprias atividades da igreja, como desde criança cantar num coral, por exemplo. No meu caso, aos onze anos comecei a estudar piano, justamente, para usar o aprendizado na igreja, ou seja, para tocar na igreja durante os cultos. Então, a minha formação vem da própria igreja”, explicou com exclusividade ao CULTURA VIVA.

 

Acompanhe o bate papo!


CULTURA VIVA: Como é o seu relacionamento com o pastor Assis Xavier, responsável por sua igreja?

RAFAEL SARAIVA: Como em qualquer instituição, nós temos um líder, alguém que nos mostra a direção a seguir, o que ele espera que a igreja alcance nos próximos anos, enfim, ele trabalha muito junto conosco, dando total liberdade e autonomia para realizarmos os projetos, apoia, participa, enfim, isso funciona muito mesmo com o pastor Assis. Ele dá liberdade não só para a música como para os outros ministérios também.

 

C.V.: Isso dá mais segurança ao seu trabalho.

R.S.: Com certeza. Quando você chega num lugar para fazer algo e já tem o aval do líder, fica mais fácil para você realizar.

 

C.V.: Além do piano, você toca outros instrumentos?

R.S.: Sou muito resistente a dizer que toco outros instrumentos porque, ao meu ver, tocar instrumento é algo que precisa ser bem feito. Então, não me arrisco a dizer que toco outros instrumentos porque não toco. Agora, arranhar, sim: sento lá na bateria e posso ajudar; posso pegar um contrabaixo e ajudar, mas me ousar a dizer que toco outros instrumentos, não, eu prefiro dizer que toco piano. (risos)

 

C.V.: A faculdade de te dá a base para outros instrumentos ou você pode se especializar num instrumento específico?

R.S.: Na faculdade, por exemplo, eu tive aulas de instrumentos complementares e lá eu tive aula de bateria também. Inclusive, com um professor muito bom, o “Daniel Batera”. Foi muito bom ter essa experiência e eu gosto demais da bateria. Talvez não seja algo que combine muito com um pianista, mas, a princípio, eu amo a bateria. Então, a faculdade nos dá alguma base e nos mostra um pouco de cada instrumento, não necessariamente para você tocar, mas para você orientar outras pessoas a respeito do que você quer, do que você espera. Por exemplo: mesmo que eu não toque uma guitarra, mas enquanto estou numa banda ou na mesma equipe, eu preciso dizer para o guitarrista o que eu quero. Para isso, eu preciso ter uma noção da guitarra e, da mesma forma, com o contrabaixo e com a bateria.

 

C.V.: Na faculdade, além da pessoa aprender a tocar instrumentos também desenvolve o canto?

R.S.: A instituição que eu estudei, o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, hoje Faculdade Batista do Rio de Janeiro, tinha, por objetivo, treinar aquela pessoa que vai retornar para a igreja a fim de cuidar da música da igreja. Então lá, além da gente ter a questão do piano, que é obrigatório, a gente também tinha aulas de Canto, de regência e aulas de violino, flauta doce, que pode nos auxiliar na Musicalização Infantil. Então, toda essa parte era estudada lá, no próprio Seminário para voltarmos à igreja e termos uma bagagem maior para trabalharmos com crianças, com adultos e com qualquer faixa etária.

 

C.V.: Você é um jovem que dedica seu dom a serviço de Deus e de uma igreja evangélica. Como analisa essa questão frente a um mercado ascendente, como a música?

R.S.: Infelizmente, não temos ainda as portas abertas, dentro das igrejas, para desenvolvermos a música como profissão. Muitas vezes, a música só entra como uma questão de voluntariado e justifica-se isso apenas falando que a música é uma vocação. Concordo, mas a gente precisa também ver o lado profissional; a gente precisa do sustento e a minha função aqui na igreja é remunerada, mas os outros instrumentistas, não. Aqui, na Primeira Igreja Batista de Araruama, nós temos a Escola de Música, onde alguns desses músicos que escolheram a música como profissão são aproveitados e, dali, conseguem tirar o seu sustento. Recebemos cerimonialistas de casamentos que procuram músicos aqui para tocarem ou abrilhantarem suas festas... Então, temos como atender, mas, ao meu ver, falta ainda, na igreja, um cuidado porque, muitas vezes, um jovem escolhe um instrumento e ele é cobrado a fazer bem feito isso, a estudar, a se dedicar e, quando ele chega numa idade em que precisa cuidar também do seu sustento, a igreja não absorve esse músico. Logo, ele precisa buscar lá fora as oportunidades, mas dependendo da oportunidade que ele aproveite lá fora, ainda fica mal visto na igreja.

 

C.V.: Então, a igreja deveria se estruturar nesse sentido.

R.S.: Deveria buscar estratégias para absorver os seus músicos e cuidar também do sustento deles.

 

C.V.: A música cristã evoluiu. Mas, como se é trabalhado esse fato dentro da igreja? Há resistências?

R.S.: Vou falar algo que o meu pastor fala: não existe problema na bateria, existe problema no baterista; não existe problema no piano, existe problema no pianista. Logo, não existe problema no ritmo. E outra coisa é que: a gente precisa fazer bem feito. Se você tocar um samba bem tocado, você vai agradar; agora, como a gente, muitas vezes, não sabe fazer samba, então, se eu tentar usar um samba, mesmo que seja na igreja, não vai ficar bem feito e não vai agradar porque eu entendo que a música passa por uma questão de gosto, de costumes, de tradição e, para acrescentarmos alguma coisa, trazermos uma novidade, aquilo precisa ser bem feito. Assim, eu tenho certeza de que as pessoas irão aceitar. Agora, tem coisas que, realmente, não cabem, a gente deixa lá fora porque não entendo muito bem que a gente precisa se parecer com o mundo. Por exemplo: lá a fora tem o Sertanejo Universitário estourando já há alguns anos e, só porque tem lá fora tem que ter também na igreja? Não vejo dessa forma.

 

 

C.V.: Por ser cristão, existe um filtro e você conhece os limites.

R.S.: Sim, mas o meu filtro, normalmente, é a mensagem e não o ritmo, não a música e sim, a sua letra.

 

C.V.: Em se tratando da música evangélica existe uma proposta maior além da técnica e da profissão até mesmo, que á a evangelização.

R.S.: Eu nunca vou escolher uma música por ser muito bonita ou porque o ritmo é contagiante: irei escolher por causa da mensagem que está por trás dela. Se ela puder ser contagiante e bonita, melhor ainda. Mas, o meu primeiro olhar para a música não vai ser esse até porque costumamos seguir aqui, em nossa igreja, mensagens temáticas. Então, se o pastor vai falar sobre “Jesus, o Salvador”, a minha preferência será para este culto apenas músicas que falam sobre salvação.

 

C.V.: O seu trabalho é dedicado totalmente ao departamento musical da Primeira Igreja Batista em Araruama. Qual a estratégia que você usa para envolver a juventude mais e mais com a música?

R.S.: Na verdade, os lugares em que a gente tem para envolver, seja qualquer faixa etária é a Escola de Música porque nela a pessoa vem, aprende um instrumento, alguns fazem por hobby, outros fazem porque querem ajudar nas programações e, automaticamente, eles vão tendo as oportunidades dentro das próprias reuniões. Quase todos os músicos que nós temos hoje tocando na igreja foram formados em nossa Escola de Música. Começaram com dez, onze, doze anos e, hoje, estamos muito bem servidos de músicos, graças a Deus! Nós temos cinco, seis, sete bateristas; três, quatro guitarristas; tecladistas também temos cinco ou seis também. Então, inclusive, a cada culto nós temos uma formação diferente tocando.

 

C.V.: E é mais fácil conduzir jovens com música, não é?

R.S.: Sim. Em 2006, quando eu assumi a música da Igreja, estávamos sem líder para os adolescentes. Então, o pastor Assis me perguntou se eu poderia liderar os adolescentes. Eu costumo dizer sim para qualquer desafio que me façam aqui na igreja. Então, eu falei para ele: “pastor, eu só sei trabalhar com música. Vou para lá trabalhar com música, tudo bem? Essa será uma estratégia para eu me aproximar deles e a gente construir alguma coisa”. Ele respondeu: “sim, tudo bem!”. Naquela época, de trinta adolescentes que a gente reunia, vinte faziam aula de algum instrumento, e todos eles iniciantes. Hoje, em 2020, boa parte dos músicos que temos vieram dessa geração. Não paramos porque, se pararmos, uma geração vai passar sem músicos, sem líderes. Hoje continuamos fazendo esse mesmo trabalho. Temos musicalização infantil, temos aulas aqui na Escola de Música. Posso dizer que estamos garantidos para as próximas gerações com os músicos que irão continuar trabalhando e servindo na igreja.

 

C.V.: Estamos em meio a uma pandemia. Isso afetou o trabalho musical da igreja?

R.S.: Afetou no início. Encerramos todas as aulas presenciais, mas ficamos com as aulas online. Em 1º de agosto, a prefeitura da cidade publicou um decreto liberando que voltassem as atividades. Então, nesse mesmo dia retornamos com as aulas presenciais. Só não retornamos ainda com as aulas coletivas, mas as aulas individuais já retornaram ao normal.

 

C.V.: E, durante essa pandemia, os cultos não pararam e o Ministério de Louvor continuou participando dos cultos.

R.S.: Sim. A única ausência foi a do auditório, mas as programações continuaram, normalmente.

 

C.V.: Mas, a ausência do auditório foi devido à aglomeração.

R.S.: Sim. Todos os cultos transmitidos de forma online e, agora, dia 20 de setembro, nós retornamos com os cultos presenciais com a capacidade reduzida. Nosso auditório tem capacidade para 850 lugares, mas, no momento, nós estamos com 200 lugares, apenas.

 

C.V.: Quem se dedica à música tem ocupação o suficiente e muitos jovens vivem da música no Brasil. Frente à realidade da juventude que hoje está envolvida com o mundo das drogas, como a música pode resgatar essas pessoas?

R.S.: Conheço alguns projetos espalhados pelo Brasil afora e que tem feito uma diferença muito grande na vida da população, principalmente da população carente porque nas comunidades, nos lugares onde não se tem muita opção de que o que você vai ser quando crescer, a música é uma grande opção e, sem falar que ela exige uma disciplina muito grande. Então, o aluno não aprende apenas música, aprende a ter disciplina, aprende a se dedicar a algo e também precisa aprender a estar em grupo, em comunidade porque a música a gente não faz sozinho, a gente faz sempre com outros. São lições muito importantes.na vida de um jovem. Logo, com certeza, seria muito melhor na mão de cada jovem um instrumento à uma arma. Destaco a Primeira Igreja Batista de Curitiba que tem um projeto com mais de 600 adolescentes e têm orquestras funcionando. Inclusive, estou para ir lá conhecer esse projeto pessoalmente. No Rio de Janeiro também tem um projeto com as escolas do município, onde também formam orquestras. No município de Barra Mansa tem um projeto lindo também que, se eu não me engano, já estão com dez mil alunos. Inclusive, tenho o privilégio de ter uma amiga na coordenação desse projeto, que se formou comigo na Faculdade Batista e é um grande projeto.

 

C.V.: A Escola de Música daqui da igreja é aberta ao público ou é restrita aos membros da igreja.

R.S.: Ela é aberta a quem quiser estudar. Desde quando iniciamos o trabalho de aulas de música aqui na igreja, uma questão que eu bati de frente  foi que deveria atender quem desejasse estudar, não somente para aos membros da igreja e, de lá para cá, já passou muita gente aqui pela Escola de Música, inclusive, já passaram alunos que hoje estão na Faculdade de Música estudando, ou seja, estamos no caminho certo.

 

C.V.: Qual o contato daqui da igreja para quem deseja se informar melhor sobre a Escola de Música?

R.S.: Pode ligar para a secretaria da igreja: (22) 2665-2397. Temos aulas de segunda a sexta-feira, em horário comercial.

 

C.V.: Que recado você deixa para quem deseja seguir carreira na área musical, mas teme não se familiarizar?

R.S.: É muito bom a gente fazer aquilo que ama. Então, se você ama a música, tem paixão por algum instrumento, por que não tratar isso também como uma profissão? Eu já antecipo que você terá de ralar muito... (risos) ... Vai precisar se dedicar muito. Eu recebo muita gente que deseja fazer aula e a pessoa pergunta: “qual é o instrumento mais fácil?” ou “em quanto tempo eu vou estar tocando?”. São perguntas que não tem resposta porque todos os instrumentos são difíceis. Se você quiser fazer bem feito fique certo disso.

 

C.V.: Então, aprender música é um desafio?

R.S.: Sem dúvidas. Tanto é um desafio que a gente admira aqueles que fazem bem feito. Por que será? Justamente porque não é um lugar aonde muitas pessoas conseguem chegar. Então, aqueles que conseguem chegar lá, em seu instrumento, seja qual for, nós temos uma admiração. A verdade é que: para esses músicos chegarem lá, tiveram que ralar muito e, normalmente, começam cedo, quando criança ainda. Aliás, se puder começar enquanto criança, melhor ainda: tem a cabeça fresquinha e a criança aprende muito mais rápido do que um adulto já cheio dos seus problemas e complicações do dia a dia. Eu sou prova de que vale a pena investir na música.

 

Foto: Edson Soares


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