A aguardada edição nº 47 da revista da União Brasileira de Compositores
(UBC) contará com textos inéditos de Chico Buarque e Caetano Veloso em
homenagem a vida e obra de Elza Soares, artista que estampará a capa da
publicação trimestral gratuita, que será lançada em edição virtual dia 1º de
fevereiro, no site da entidade: https://www.ubc.org.br/ .
Além dos textos inéditos, a edição contará com reportagem entrevista
exclusiva com Elza, que aos 90 anos de idade afirma que "O que me dá força
é o futuro". Em 23 de junho do ano passado, Elza Soares celebrou, entre
carinhos e homenagens, suas nove décadas de vida. No dia seguinte, já estava
com a cabeça no centenário - e além. Viver do passado não é com ela. Uma das
mais longevas e admiradas artistas da música brasileira, a cantora e
compositora que lançou mais de 80 discos, emprestou sua voz a todos os gêneros
e ritmos, viveu exilada durante a ditadura, foi casada com um mítico jogador de
futebol, perdeu filhos, passou fome, caiu e se reinventou uma e outra vez
parece ter assumido uma missão: ser a voz dos excluídos.
"Ao longo da minha vida, senti o racismo de todas as maneiras. Fui
julgada, tentaram me diminuir, mas não parei para pensar nisso, só fui em
frente. Eu não saberia dizer o que seria a Elza Soares se fosse branca. Mas sei
o que eu sou: gosto de ir à luta, detesto ficar sentada esperando, eu faço
acontecer", diz a artista, que vem dando um mergulho cada vez mais
profundo na denúncia do racismo e do machismo institucionais. Em suas letras,
em seus discos, em sua postura pública, o empoderamento do negro e da mulher
parecem ter se tornado o grande legado que ela vai construindo. "Se eu não
lutar por essas coisas, que são minhas, que falam dos meus sacrifícios, das
minhas perdas, quem vai lutar?"
Confira abaixo os textos de Chico e Caetano, na íntegra, que serão
destaques na reportagem especial sobre a vida e obra de Elza na próxima edição da
revista UBC:
Texto para Elza
por Chico Buarque de Holanda
"Se
acaso você chegasse a um bairro residencial de Roma e desse com uma pelada de
meninos brasileiros no meio da rua, não teria dúvida: ali morava Elza Soares
com Garrincha, mais uma penca de filhos e afilhados trazidos do Rio em 1969.
Aplaudida de pé no Teatro Sistina, dias mais tarde Elza alugou um apartamento
na cidade e foi ficando, ficando e ficando.
Se acaso você chegasse ao Teatro Record em 1968 e fosse apresentado a Elza
Soares, ficaria mudo. E ficaria besta quando ela soltasse uma gargalhada e cantasse
assim: "Elza desatinou, viu".
Se acaso você chegasse a Londres em 1999 e visse Elza Soares entrar no Royal
Albert Hall em cadeira de rodas, não acreditaria que ela pudesse subir ao
palco. Subiu e sambou "de maillot apertadíssimo e semi-transparente",
nas palavras de um jornalista português.
Se acaso você chegasse ao Canecão em 2002 e visse Elza Soares cantar que a
carne mais barata do mercado é a carne negra, ficaria arrepiado. Tanto quanto
anos antes, ao ouvi-la em Língua com Caetano.
Se acaso você chegasse a uma estação de metrô em Paris e ouvisse alguém às suas
costas cantar Elza desatinou, pensaria que estava sonhando. Mas era Elza Soares
nos anos 80, apresentando seu jovem manager e os novos olhos cor de esmeralda.
Se acaso você chegasse a 1959 e ouvisse no rádio aquela voz cantando Se acaso
você chegasse, saberia que nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza
Soares".
O autor de Meu Guri, E Se, Dura Na Queda, entre outras composições imortalizadas na voz de Elza, ganhou a companhia de Caetano na homenagem à diva brasileira. Em seu relato inédito, o baiano escreveu que "Elza Soares é uma das maiores maravilhas que o Brasil já produziu. Quando apareceu cantando no rádio, era um espanto de musicalidade. Logo ficaríamos sabendo que ela vinha de uma favela e desenvolvera seu estilo rico desde o âmago da pobreza. Ela cresceu, brilhou, quis sumir, não deixei, ela voltou, seguiu e prova sempre, desde a gravação de "Se acaso você chegasse" até os discos produzidos em São Paulo por jovens atentos, que o Brasil não é mole não. Celebrar os 90 anos e Elza é celebrar a energia luminosa que os tronchos monstros não conseguirão apagar da essência do Brasil".
Marcelo Castello Branco, diretor
executivo da UBC, também celebra o talento da artista escolhida para estampar a
primeira capa da publicação em 2021. "Elza é uma força transgressora da
natureza. Sua voz abriu corredores de esperança para muitas mulheres, artistas
ou não . Chegou antes e para sempre. É uma intérprete visceralmente autoral ,
de qualidade e repercussão internacional. Uma voz que inspira e respira o
amanhã. Uma provocação irresistível de futuro melhor’, finaliza.
Foto1: Chico Buarque
beija Elza Soares em show no Garden Hall, em outubro de 2000
Foto:
Wania Pedroso/07-10-2000
Foto2:
(Elza Soares Caetano
Veloso
Foto Leo Martins)
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