O MASP
— Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand apresenta, até 4 de junho de 2023,
a mostra MAHKU:
Mirações, que ocupa o espaço expositivo no 2o subsolo
do museu. Com curadoria de Adriano
Pedrosa, diretor artístico, MASP, Guilherme Giufrida,
curador assistente, MASP e Ibã
Huni Kuin, curador convidado, a exposição reúne cerca de 120
pinturas e desenhos que se originam tanto
de traduções e registros de cantos, mitos e histórias de sua ancestralidade,
como de experiências visuais geradas pelos rituais de nixi pae –
que envolvem a ingestão de ayahuasca – denominadas mirações,
palavra que dá título à exposição no MASP. A mostra tem patrocínio master do
Citibank.
Criado oficialmente em março de 2013, dez anos antes da
abertura da exposição no MASP, o surgimento do Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) remonta
ao final da década de 2000, quando o coletivo iniciou, nos cursos de
Licenciatura Indígena na Universidade Federal do Acre (UFC), seus trabalhos de
tradução de cantos tradicionais do povo indígena Huni Kuin (Acre) em desenhos
figurativos. Os primeiros registros do coletivo surgem, portanto, a partir do
contato de populações indígenas aldeadas com a universidade, onde o grupo
realizou sua primeira exposição, em 2011. No ano seguinte, após a visita do
antropólogo Bruce Albert e do curador Hervé Chandès, os integrantes participam
pela primeira vez de uma mostra de arte contemporânea, a exposição Histoires
de voir, Show and Tell [Histórias para enxergar, ver e contar] na
Fondation Cartier pour l’art contemporain, em Paris, com um desenho ilustrando
a capa do respectivo catálogo. A partir do movimento de introdução da sua
visualidade ao universo das exposições de arte, os Huni Kuin se apropriam disso
como estratégia de sobrevivência coletiva, de extensão de suas histórias e de
seus mitos.
A exposição MAHKU: Mirações reúne cerca de 120
pinturas e desenhos em papel e tela, sendo três delas produzidas para a mostra,
comissionadas pelo museu, além de esculturas, áudios com cantos, vídeo
documentário e uma pintura de grandes dimensões elaborada diretamente nas
laterais da icônica escada/rampa vermelha que interliga o 1° ao 2° subsolo do
museu, seguindo, assim, a tradição do coletivo de realizar uma intervenção
artística nos espaços expositivos que ocupam, criando uma conexão física e
espacial entre mundos.
“O sentido geral do grupo MAHKU parece ser criar caminhos
sustentáveis, desenvolvendo a política de se associar para se fortalecer. Isto
é, interessa-lhes produzir e facilitar a passagem entre mundos, sempre sob o
risco e a consciência das distâncias e assimetrias, que podem ser controladas e
guiadas pelo poder da contação, pelos cantos, pelas imagens que produzem, pelo
sentido ético da sobrevivência de seus modos de existência”, reflete o curador Guilherme
Giufrida.
Este diálogo entre diferentes culturas é um dos temas
centrais de algumas das obras do coletivo, especialmente aquelas inspiradas no
mito de kapewë pukeni, o jacaré-ponte, traduzido, por exemplo, na
pintura Kopenawe pukenibu (2022), de Acelino Tuin Huni Kuin. O
mito narra a história da passagem dos Huni Kuin pelos dois continentes, através
do estreito de Behring, em busca de sementes, moradia, conhecimento e terra.
Depois de muita caminhada, o grupo se depara com um jacaré que, em troca de
alimento, oferece ajuda para que eles possam atravessar para o outro lado.
O animal, avesso ao canibalismo, pede que o povo não mate
um jacaré pequeno e que não lhe dê um deles para comer. No entanto, quando a
variedade de animais se torna escassa, os Huni Kuin caçam o jacaré menor,
traindo a confiança do jacaré grande, que submerge. “Foi aí que se fundaram as
línguas diferentes entre parentes do outro lado do mundo. O mundo sempre
divisão. Quem atravessa o mundo é quem já conquistou os conhecimentos. Por isso
que a música do jacaré cantamos em nossas reuniões, para abrir os caminhos”,
explica o curador convidado Ibã Huni Kuin. Por essa razão, a figura do animal
foi escolhida pelo coletivo para ilustrar o logotipo original do MAHKU. Nele o
jacaré aparece com duas patas caminhando e alimentando-se, enquanto pessoas
munidas de estilingues e flechas passam sobre suas costas. Trata-se de uma cena
fundacional que sugere que os Huni Kuin são produtores e produtos de pontes –
entre os mundos indígena e não indígena, entre o visível e o invisível.
Outro ser muito importante para os Huni Kuin é a jiboia,
considerada a maior dos xamãs, mensageira e ser da transformação. Normalmente o
animal está presente em suas pinturas, circundando as composições, seja de
forma a perambular pela imagem, seja literalmente em suas bordas, acompanhando
os ângulos perpendiculares do quadro ou em formas geometrizadas estilizadas.
A jiboia é a figura central no mito de surgimento
de nixi pae, “a bebida sagrada”, representada na tela do acervo do
MASP Yube Inu Yube Shanu [Mito do surgimento da bebida sagrada
Nixi Pae] (2020). O mito narra o encontro de Yube Inu, um homem indígena, com
Yube Shanu, a mulher-jiboia, e a acolhida do povo da jiboia a Yube Inu, que é
introduzido ao ritual de nixi pae. Ele ingere a bebida sagrada,
experiencia as mirações e, mais tarde, aprende a fazê-la e entra em contato com
as músicas da serpente. Por um momento de ciúme de seu sogro, devido ao seu
conhecimento adquirido, Yube Inu é mordido e acaba adoecendo, mas, antes de
morrer, retorna ao seu povo de origem e ensina a receita da bebida.
No ritual de nixi pae realizado pelos
Huni Kuin e traduzido como “cipó forte”, “embriagante” ou “fio encantado”, se
institui a experiência de encontro com a jiboia. Trata-se de um ritual central
na vida desse povo, que envolve toda a comunidade – desde crianças de 6 anos de
idade até adultos e idosos. As mirações, experiências visionárias que aparecem
durante os rituais, são traduzidas tanto nos desenhos e pinturas do coletivo
quanto nos cantos que integram o cotidiano da aldeia Chico Curumim, na Terra
Indígena Kaxinawá, do Rio Jordão, onde vivem os artistas do MAHKU.
“O ritual de nixi pae tem como objetivo
principal conectar mundos, rememorar a todos daquela relação dos Huni Kuin com
a jiboia, renovar a intimidade do encontro e relembrar as razões do desencontro
narradas no mito”, reflete Guilherme Giufrida. “Evocada através do canto, pela
bebida e pela própria miração, a jiboia guia as visões por seus caminhos e
percepções, fazendo os humanos atravessarem para o seu mundo, para o próprio
universo dos mitos. O objetivo, no limite, parece ser o de estudar e ensinar os
mitos, fazer as histórias do povo sobreviverem, se estenderem e se
transformarem, preservando a integridade e o enraizamento daquela sociedade”, finaliza.
A mostra no MASP pretende, portanto, ampliar o conhecimento sobre e com os Huni Kuin, assim
como a compreensão da contribuição de sua obra para a arte contemporânea, além
de celebrar a longa relação de trabalho entre o coletivo e o museu.
Desde 2016, os artistas do MAHKU participam de exposições do MASP, o que é
constatado na grande quantidade de obras de diferentes períodos de sua produção
comissionadas e depois doadas ao acervo do museu. Os artistas já participaram
das exposições Avenida Paulista (2017), Histórias da
dança (2020) e Histórias brasileiras (2022), além de
uma oficina em Histórias da infância (2017) e dos projetos
MASP Renner 1a temporada (2018-2019) e MASP Afterall ArtSchool
(2020).
MAHKU: Mirações integra a programação anual do MASP dedicada às Histórias
indígenas. Este ano, a programação também inclui mostras de Carmézia
Emiliano, Paul Gauguin, Sheroanawe Hakihiiwe, Melissa Cody, além do comodato
MASP Landmann de cerâmicas e metais pré-colombianos e a grande coletiva Histórias
indígenas.
SOBRE O MAHKU
O Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) foi lançado
oficialmente em 2013 e é composto pelos artistas Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin,
Mana Huni Kuin, Acelino Tuin e Kássia Borges. O coletivo realizou as exposições
individuais Yube Inu, Yube Shanu, na Piero Atchugarry Gallery,
no Uruguai (2022); Cantos da imagem, na Casa de Cultura do Parque,
em São Paulo (2022); Vende tela, compra terra, na SBC Galerie d’Art
Contemporain, no Canadá (2022); Através da poética do MAHKU, na
Galeria de Arte da Universidade Federal do Amazonas, em Manaus (2018); e O
espírito da floresta – desenhando os cantos nixi pae, no Sesc Rio Branco
(2011). Participou de mostras coletivas como Histórias brasileiras,
no MASP (2022); Moquém Surarî: arte indígena contemporânea, no
MAM-SP (2021); IMS quarentena: programa convida, em exposição
virtual no Instituto Moreira Salles (2021); Véxoa: Nós sabemos, na
Pinacoteca do Estado de São Paulo (2020); Histórias da dança,
exposição virtual no MASP (2020); Vaivém, no Centro Cultural Banco
do Brasil (2019); Eldorado, no Maison Folie Moulins, na França
(2020); 35º Panorama de Arte Brasileira: Brasil por multiplicação,
no MAM-SP (2017); Avenida Paulista, no MASP (2017); Aru
Kuxipa/ Sagrado segredo, no Thyssen-Bornemisza Art Contemporary, na Áustria
(2015); Histórias mestiças, no Instituto Tomie Ohtake (2014);
e Histoires de voir, no Fondation Cartier pour l'art contemporain,
na França (2012). Suas obras fazem parte de coleções do MASP, MAR, da Fundação
Cartier por L’art contemporain, da Pinacoteca do Estado de São Paulo, entre
outras.
CATÁLOGO
Na ocasião da mostra, foi publicado um catálogo bilíngue
com ensaios comissionados especialmente para a ocasião, além de reproduções de
trabalhos produzidos pelo grupo e traduções de mitos e cantos Huni Kuin. O
livro, organizado por Adriano Pedrosa e Guilherme Giufrida, inclui textos de
Daniel Revillion Dinato, Guilherme Giufrida, Ibã Huni Kuin, Naine Terena e
Raphael Fonseca. Com design de Bloco Gráfico, a publicação tem edição em capa
dura.
MAHKU: Mirações
Curadoria: Adriano Pedrosa, diretor
artístico, MASP; Guilherme Giufrida, curador assistente, MASP; e Ibã Huni Kuin,
curador convidado.
2o subsolo
24.3 — 4.6.2023
MASP — Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand
Avenida Paulista, 1578 – Bela Vista
01310-200 São Paulo, SP
Telefone: (11) 3149-5959
Horários: terça grátis, das 10h às 20h (entrada até as
19h); quarta a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h); fechado às
segundas
Agendamento on-line obrigatório pelo link MASP
Ingressos
Ingressos: R$ 60 (entrada); R$ 30
(meia-entrada)
Foto: Eduardo Ortega
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