Como já advertia o poeta Cazuza, “o tempo não pára”. Por isso, sua carreira, repleta de glórias e conquistas, não foi sepultada com sua morte, há 18 anos. Através de sua mãe Lucinha Araújo, a Sociedade Viva Cazuza - instituição de saúde localizada em Laranjeiras, no Rio de Janeiro - prova que o sucesso do artista ainda está de pé: crianças e adultos portadores do vírus HIV recebem atendimento, medicamento e orientações preciosas na luta pela sobrevivência. Como uma guerreira, Lucinha dedica seu tempo à manutenção da Sociedade e confessa: “quando não venho aqui, meu dia não fica completo”.
CULTURA VIVA: Lucinha, quando surgiu a idéia de criar a Sociedade Viva Cazuza?
LUCINHA ARAÚJO: A idéia surgiu quando um grupo de artistas fez uma homenagem ao Cazuza logo depois da morte dele, na Apoteose. Fizeram um show chamado “Viva Cazuza – Faça parte desse show”. A gente cobrou ingresso e eu encaminhei o valor arrecadado para um hospital que tratava de crianças com AIDS. Quando fui entregar o cheque, eles me disseram: “a gente não quer só o seu dinheiro, a gente quer você trabalhando aqui”. Lá eu conheci alguns médicos e eles me ajudaram a fundar a Sociedade Viva Cazuza juridicamente e tudo. Fiquei dois anos trabalhando lá, mas sempre com idéia de montar uma casa para abrigar as crianças. Nesses dois anos eu não tirava isso da cabeça porque lá no hospital era muito complicado, era uma instituição federal, tinha mais cacique do que índio. Como eu não sou índio nem cacique, queria ter o meu negócio, eu não gosto que ninguém mande em mim, já estou muito velha, fui procurar o prefeito Cesar Maia, que estava recém-eleito. Pedi um local e ele me cedeu esse por 10 anos, em Laranjeiras. Agora, já ocupo aqui há 15. Fiz as reformas todas com o dinheiro do Cazuza. Usei os direitos autorais dele esses anos todos. Ele tem direito de 70 anos de direitos autorais, depois cai para o Governo. Até 70 anos eu posso usar. Então, eu resolvi juntar um grupo de médicos para me ajudar e foi uma coisa boa na minha vida ter feito isso, primeiro porque eu adoro criança e segundo que, ao invés de eu ir para um analista... Você imagina: perder seu filho único, no auge da beleza, juventude, famoso, de uma doença incurável, que até hoje, aliás, não tem cura, é mortal... Então, foi muito duro para mim. Eu achei que o trabalho foi muito melhor do que eu ter ido para um analista. A minha vontade era sentar num divã de analista, chorar até morrer, mas isso não ia trazer meu filho de volta.
C.V.: A senhora o mantém vivo através da Sociedade.
L.A.: Exatamente. Eu fico pensando: precisou meu filho morrer para essas crianças viverem. Isso não é um consolo, mas, pelo menos, é uma justificativa.
C.V.: Como é feita a distribuição das tarefas na Sociedade?
L.A.: Aqui nós temos três projetos sendo desenvolvidos: o primeiro é a Casa de Apoio Pediátrico, onde moram, hoje, 20 crianças. Já passaram mais de 70 por aqui. As crianças moram em regime de internato, freqüentam as escolas do bairro, têm medicamentos, médicos, assistentes, enfim, elas têm tudo o que uma criança de classe média tem: programas culturais e etc. Esse é o projeto que eu mais gosto, que eu me dedico mais. O segundo é com pacientes adultos: a gente atende a 150 pacientes por mês, mas eles não moram aqui. A gente ensina tomar os remédios porque muitos não sabem ler nem escrever e ganham uma cesta básica mensalmente. O terceiro é via internet: nós temos o site
C.V.: Como as vítimas ou os pais podem obter apoio de vocês? O que é necessário fazer?
L.A.: São indicados por assistentes sociais de hospitais. Atendemos aqui o pessoal do Instituto São Sebastião, outro da Lagoa e alguns que vêm bater aqui na porta e a gente faz um levantamento para ver se precisa mesmo, se é HIV, etc. Eles, para receberem o auxílio, têm que provar que estão se tratando: tem que trazer as consultas, as marcações de consultas, ... Eu tenho uma agente de saúde e uma assistente social fazendo isso toda semana.
C.V.: A Sociedade tem apoio dos Governos municipal, estadual e federal ou recebe doações de voluntários?
L.A.: Do estadual eu nunca tive ajuda nenhuma. Agora, do municipal, essa casa é do município do Rio de Janeiro e o Cesar Maia, que nem me conhecia, eu fui lá pedir, ele, na mesma hora, abriu as portas e paga a conta de luz para mim. Toda vez que eu peço: “olha, preciso de alguma coisa...” Procuro não abusar, mas toda vez quando eu tenho algum problema para resolver, eu peço e ele resolve para mim, via e-mail, eu nem preciso ir lá incomodá-lo. Eu até conto que a mulher dele é a madrinha daqui porque ela fez força para que ele me desse essa casa. Agora, ajuda federal a gente tem no sentido de: o Brasil é um dos poucos países do mundo que distribui medicamentos para a AIDS gratuitamente, a gente está nessa lista. Mas, temos que comprar o resto porque, para as infecções oportunistas, gastamos muito dinheiro também. Então, além dos direitos autorais do Cazuza, fazemos eventos, promovemos leilões, festas, jogos e nós temos um deputado que faz uma emenda parlamentar para a gente, anualmente, de uns cinco anos para cá e isso nos ajudou muito, apesar de ser um dinheiro difícil: você tem que fazer projeto, é um dinheiro amarrado, só pode comprar isso e aquilo, não pode pagar pessoal e a gente não trabalha com voluntários, mas de qualquer maneira nos ajuda muito.
C.V.: Como é para a senhora, hoje, ver fãs e instituições, como gravadoras e editoras de livros, ainda mantendo a carreira do Cazuza?
L.A.: É uma coisa que me dá prazer. Eu achei que o filme novamente trouxe o Cazuza para essas crianças que não eram nascidas quando ele morreu. Eu recebo e-mails de meninos de 12, 13 anos, que foram ver o filme e adoraram.
C.V.: Como foi sentar e assistir a história de seu filho contada no filme “Cazuza – O tempo não pára”? Dá para descrever esse momento?
L.A.: Meu marido viu uma vez só. Eu procurei me armar da seguinte maneira: isso é um filme, o Daniel de Oliveira não é o Cazuza, a Marieta Severo não sou eu, isso é uma ficção, ... Eu já vi o filme mais de 30 vezes. Não vou te dizer que tiro de letra: eu choro e tudo, mas eu sofri menos. Eu procurei fazer isso para não sofrer. Mas, eu achei que esse filme ficou até pequeno para contar a vida do Cazuza. Não conta tudo porque 90 minutos é muito pouco para contar uma vida tão intensa como foi a dele. Eu acho que daria, até, uma minissérie. Fica aí em aberto: quem sabe a TV Globo não quer fazer uma minissérie... A experiência de vida foi muito rica e eu acho que todo mundo tem que conhecer um pouco o Cazuza. Eu achei que o filme ajudou bastante. O livro “Só as Mães são Felizes”, que eu mesma escrevi, abriu tudo e o filme é baseado no livro.
C.V.: Que mensagem a senhora pode dar às mães que hoje enfrentam a mesma situação que a senhora viveu?
L.A.: Eu quero dar duas mensagens. Uma é citando o Cazuza: “quem tem um sonho não dança” e a cura não pode estar longe. Então, a gente tem que acreditar nesse sonho. E a outra é que não abandonem seus filhos porque um vidro de AZT faz tanto efeito quanto o carinho de uma mãe.
Foto: Christina Moreira
‘QUEM TEM UM SONHO NÃO DANÇA...’
24 dezembro 2008 Postado por JORNAL CULTURA VIVA por Edson Soares às 00:24 | Marcadores: Gente
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1 comentários:
Não há o que dizer de Cazuza...
Ele por si disse tudo a nós brasileiros e ao mundo.
Quem não conheceu sua arte, seu talento, não viveu por completo.
Parabéns Edson por mais uma entrevista muito bem feita e falando do meu cantor favorito.
Estou emocionado, pois lembrar dele, dos momentos em que ele esbanjava saúde nos palcos da vida, me faz pensar que ele deveria ainda estar por aqui.
Faltam mais pessoas como ele em torno de todos nós, principalmente em torno daqueles que não conseguem ver o que esta à sua frente, quanto mais enxergar a si mesmo como tenho certeza de que Cazuza fazia!
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